Ano VII

Sam Peckinpah e a Nova Hollywood

segunda-feira ago 15, 2016
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O cineasta no set de Pat Garrett & Billy the Kid

 

Sam Peckinpah e a Nova Hollywood

Por Sérgio Alpendre

* (trecho de um futuro livro sobre o cinema americano dos anos 70, ainda em gestação)

Sam Peckinpah está entre os diretores que Jean-Baptiste Thoret apontou como pioneiros da Nova Hollywood em seu monumental livro Le Cinéma Américain des Années 70. Thoret analisa com propriedade três filmes importantíssimos do cineasta – Meu Ódio Será Sua Herança (1969), Sob o Domínio do Medo (1971) e Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia (1974), não nesta ordem – incorporando outros filmes no jogo. A questão mais evidente, neste caso, é: se Peckinpah é pioneiro, por que escolher três filmes inseridos no cerne da Nova Hollywood, e não, por exemplo, Pistoleiros do Entardecer (1962) ou o atribulado Juramento de Vingança (1965), longas que contêm, em suas estruturas, sinais de uma procura por algo que balançasse os alicerces do cinema hollywoodiano?

A dúvida é justificável, ainda que pudesse ser superficialmente explicada pelo simples fato de que Peckinpah começou a filmar no início dos anos 60, antes dos bastiões da Nova Hollywood (Scorsese, De Palma, Coppola – este começou cedo também, mas quase ninguém o considera por seus trabalhos da primeira metade dos anos 60). É, portanto, de uma geração anterior, apesar de posterior àquela de Aldrich e Siegel, os outros pioneiros elencados por Thoret. De fato, cabível também quando observamos fortes influências do cinema clássico, sobretudo de John Ford, tanto em Pistoleiros do Entardecer quanto em Juramento de Vingança. Por outro lado, Peckinpah herda as preocupações do western psicológico introduzido por Fred Zinneman (Matar ou Morrer, 1950) e Anthony Mann (Winchester 73, 1950), atingindo também alguns filmes de Delmer Daves, Henry King e até mesmo John Ford, para não dizer já o King Vidor de Duelo ao Sol (1946), faroeste contaminado pelo filme noir. E ainda que a imaturidade e a rebeldia o façam ir menos longe, podemos dizer com tranquilidade que Peckinpah assume o bastão entregue por Budd Boetticher em seus dois últimos faroestes com Randolph Scott, O Homem que Luta Só (1959) e Cavalgada Trágica (1960). Boetticher experimentava, nesses dois filmes essenciais para se entender as mutações pelas quais o gênero passava na década de 1950, com tempos mortos (os longos planos em que só vemos os cowboys se deslocando) e elipses radicais (necessárias também para que a duração curta combine com o orçamento reduzido dos longas).

O fato é que o lugar de Sam Peckinpah entre os pioneiros pode até ser justo, mas não com tanta força como nos casos de Aldrich e Siegel. Talvez o lugar ideal seja intermediário, junto de Arthur Penn (cujo Bonnie & Clyde o influenciou profundamente a partir de seu quarto filme) e Robert Mulligan, dois cineastas que, como ele, iniciaram na televisão. Penn seria o pai da Nova Hollywood, enquanto Mulligan e Peckinpah seriam os tios, Aldrich e Siegel, os avós. Dos três, ou melhor, dos cinco cineastas, o único que não mergulhou de cabeça nas inquietações da Nova Hollywood, ainda que continuasse fazendo filmes no mínimo interessantes (e, no caso de Verão de 42, brilhante), é Robert Mulligan, que nos anos 1960 aparentava mais irreverência e invenção do que na década seguinte.

A conexão Peckinpah-Boetticher fica evidente em Pistoleiros do Entardecer (1962), longa que justifica a manjada expressão “faroeste crepuscular”, realizado no mesmo ano do magistral O Homem Que Matou o Facínora, de John Ford, e com Randolph Scott no elenco como um cowboy desiludido, trabalhando num circo como Buffalo Bill e malandro o suficiente para sobreviver apesar da constatação de que os tempos haviam mudado, enquanto seu parceiro, Joel McRea, tem mais dificuldades na adaptação. O papel de Scott é claramente uma continuação dos personagens taciturnos que ele representou para Boetticher, ainda que nessa continuação esteja a desilusão, a malandragem que o faz ser antagonista durante boa parte do filme, mas também a firmeza de caráter que vai garantir sua ajuda no clímax final, e a recompensa de sobreviver por estar mais adaptado às mudanças. Com Pistoleiros do Entardecer, Peckinpah homenageia os faroestes B responsáveis por boa parte do prestígio de Boetticher junto à crítica, e faz um filme jovial, antenado, mas que se coloca do lado de velhos cowboys que são ultrapassados pelo progresso.

A difícil adaptação aos novos tempos é, aliás, uma das colunas principais do cinema de Peckinpah. Em Pat Garrett & Billy the Kid, Pat diz, na conversa franca que tem com Billy, que os tempos mudaram, ao que Billy responde, “os tempos mudaram, mas eu não mudei”. E quem não muda, quem não se adapta à passagem do tempo, tem menos chance de sobreviver. Billy sabe disso, mas se recusa a aceitar.

Mas se os tempos mudaram, Pat Garrett, em seu afã pela adaptação, preserva os métodos trogloditas de seu passado, atirando em suspeitos, torturando possíveis informantes e mandando os homens do dinheiro, que lhe oferecem uma recompensa pela captura de Billy the Kid, para aquele lugar. É o progresso o principal inimigo dos protagonistas, como em Pistoleiros do Entardecer. Em nome do progresso, dos homens do dinheiro que querem lucrar com negócios sujos em meio ao processo de civilização do oeste, Pat mata Billy, e a si mesmo, num dos assassinatos mais tocantes do cinema: o primeiro tiro é fatal, e o segundo tiro vai no espelho, provocando um rombo que torna o reflexo de Pat quase irreconhecível. Peckinpah entendia muito de autodestruição.

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