O Valor de um Homem
O Valor de um Homem (La Loi du Marché, 2015), de Stéphane Brizé
Como qualquer cinematografia, a francesa é repleta de diretores impessoais e genéricos, despidos de qualquer identidade artística. Muitos desses revestem seus filmes com um verniz de seriedade, buscando tratar de temas supostamente relevantes que acabariam por conferir a eles aquilo que parcelas de crítica e público poderiam vislumbrar como um certo “valor artístico”, independente do tratamento cinematográfico raso. Stéphane Brizé é um cineasta que se enquadra perfeitamente nesse perfil. Pensando em seus trabalhos mais recentes e exibidos por aqui, Mademoiselle Chambon (2009) explora o tema do milenar dilema feminino que confronta a realização amorosa à zona de conforto casamento/família. Em sequência, Uma Primavera com Minha Mãe (2012) mistura o confronto entre gerações à polêmica possibilidade da eutanásia assistida. Se o segundo até consegue atingir um pouco de real densidade dramática, em especial pelo trabalho dos atores, o trabalho de direção de Brizé raramente vai além do burocrático.
Agora com O Valor de um Homem, as pretensões de Brizé parecem um pouco maiores. Fica flagrante que o filme herda inspiração oriunda do cinema de Jean-Pierre & Luc Dardenne. Entretanto, se o trabalho dos irmãos belgas vem perdendo gradativamente sua força nos filmes posteriores a O Filho (2002), ainda consegue, ocasionalmente, proporcionar algum interesse e impacto, como no recente Dois Dias, Uma Noite (2014).
Brizé aproveita dos irmãos não somente a abordagem de um tema de “relevância social” – a crise econômica e o desemprego, que vem atingindo e empobrecendo setores da classe média – como também a opção estética de acompanhar com a câmera um personagem ao longo de todo o tempo narrativo. Brizé, no caso, acaba por simplificar essa opção, trocando a eterna câmera em movimento dos Dardenne, que segue o protagonista como se estivesse “colada em seu cangote”, por uma série de close-ups quase sempre estáticos.
A abordagem do tema, no entanto, acaba por sucumbir, ao mesmo tempo, às pretensões e às limitações artísticas do diretor. O Valor de um Homem é um filme desagradavelmente reiterativo cujas duas partes definidas repetem até a exaustão uma mesma situação: na primeira vemos Thierry (Vincent Lindon) em uma série de degradantes entrevistas de emprego, alternadas à tentativa de manutenção da dignidade em sua vida familiar, que envolve a educação de um filho especial; na segunda parte vemos Thierry, agora subempregado como segurança de um supermercado, acompanhar inúmeras situações de constrangimento a clientes e ou mesmo colegas que cometem pequenos furtos ou delitos que não ocorreriam caso a crise não os mergulhasse numa incessante necessidade de sobrevivência. Brizé não abre mão, em nenhum momento do filme, de trabalhar segundo o que poderia ser qualificado como uma “estética da humilhação”. Não vemos uma sequência sequer que não tenha sido concebida sem a intenção de gerar no espectador a mais profunda pena dos personagens e das provações às quais a tal “lei do mercado” do título original os submete.
A hipertrofia e a redundância, evidentes no tratamento e nas situações vivenciadas em O Valor de um Homem, acaba por esvaziar qualquer possibilidade de impacto proveniente do filme, imergindo-o na mais profunda previsibilidade. A sequência final é antecipada desde o primeiro momento em que Thierry veste o uniforme de segurança. Brizé, cuja obra até então poderia ser caracterizada como impessoal e até mesmo inofensiva, opta por uma abordagem quase pornográfica da exploração capitalista, trafegando todo o tempo sobre a tênue linha que, quando ultrapassada, propiciaria o mergulho nos limites da abjeção. Até mesmo o sempre competente Vincent Lindon, colaborador de Brizé em todos os filmes citados, proporciona aqui uma atuação apática e repetitiva, apesar de premiada.
Gilberto Silva Jr.
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