Batman vs Superman
Batman vs Superman: A Origem da Justiça (Batman v Superman: Dawn of Justice, 2016), de Zack Snyder
Batman é Detroit, a américa noturna, decadente e traumatizada pela violência. É a fumaça que emana do bueiro no beco cheio de pichação e mijo. Superman é a projeção da América divina e de poder bélico imensurável, é a América dos campos de milho, é o ´merican que saiu da cidadezinha para lutar pelo que é certo, mesmo que isso lhe traga dúvidas morais. Superman é uma estátua, Batman é um homem com medo. Em dado momento, a estátua do Homem de Aço, cuja pose é dramática e ligeiramente contorcida, como uma obra helenística, é pichada. No apogeu da era da desconstrução (na sociologia, na arte, na política, na geografia), o mito não tem vez. A “intervenção” urbana, ou seja, a intervenção da decadência e da sujeira, é a mensagem de protesto que, como todo slogan, é só superfície. Batman vs Superman é situado nesse espaço frágil, de dúvida e sombras, escombros e fogo, em que vence a derrota e a dor, que luta a todo instante para nos fazer entrar nas profundezas do significado. Com sua fotografia em um tom predominantemente chumbo, a infame câmera lenta de Snyder e o rufar onipresente e exagerado da trilha de Hans Zimmer, o filme é pesado, doído. O pesar que o longa parece sentir pela morte do mito é palpável.
A morte da águia americana inclui certo mea-culpa por desastres recentes da história – no primeiro ato, Superman surge em meio a um conflito no deserto do oriente médio e algumas casualidades de guerra acontecem -, mas que, na verdade, podem ser vistos como comentários sobre a injustiça em se demonizar os muito poderosos e justos – é revelado depois que as mortes no conflito do oriente médio foram arranjadas para jogar a opinião pública contra o Homem de Aço.
Mas é a própria América, incerta sobre sua identidade, quem está ávida em desconstruir (a má recepção do filme, nos EUA, não seria prova cabal da morte do mito?). Ou, em destruir, já que a demolição do concreto, aqui, é literal, fazendo, inclusive, que gradativamente o filme vá se movendo para um espaço de fogo e luz, deixando para trás os escombros dos prédios; o filme começa com Bruce Wayne testemunhando o 11 de setembro, em enquadramentos que lembram muito as icônicas imagens, trêmulas, gravadas por amadores, que, do chão, apontam a câmera para os prédios a desmoronar; e termina na luminosidade do fogo, que é seguida pela fala “nós temos a capacidade de reconstruir”.
Ao contrário da Marvel, que há muito vestiu o mito com roupas autoconscientes do palhaço e do cinismo juvenil do “pós”, Batman vs Superman parece querer resistir bravamente e mostrar que, apesar de vivermos na era da descrença – o ser descrente vive unicamente de estímulos; a narrativa descrente de um Deadpool é montada na sucessão de estímulos vazios, nada mais – é possível sairmos dela, nos voltando para os grandes temas, como a justiça, a harmonia e a verdade. A nobreza do Superman caminhando no Capitólio e humildemente abrindo, em plano detalhe, a porta de madeira que dá acesso ao tribunal, é bastante forte. O longa de Snyder clama por reconstrução. Dos próprios filmes de herói, de uma certa moralidade, de Detroit.
Wellington Sari
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