Meu Amigo Hindu
Meu Amigo Hindu (My Friend Hindu, 2015), de Hector Babenco
Hector Babenco já foi um diretor de primeira dentro de um cinema mais preocupado em contar boas histórias. Atingiu picos Lúcio Flávio: Passageiro da Agonia (1978) e Brincando nos Campos do Senhor (1991), cada um marcando uma etapa de sua carreira, respectivamente, a busca por um realismo social brasileiro dentro dos limites narrativos do cinema comercial e o flerte com Hollywood e as grandes produções. Quem viu esse último percebe algo que já disseram por aí, e que é a mais pura verdade. Fora de Hollywood, tende a ser mais hollywoodiano do que em Hollywood. Desde Coração Iluminado, de 1998, Babenco tem feito obras abertamente autobiográficas, procurando entender sua vida por meio de autoanálises sinceras e emotivas.
Podemos entender essa opção. O diretor argentino radicado no Brasil venceu, nos anos 1990, uma longa batalha contra o câncer. Mesmo Carandiru (2003), um blockbuster, nasceu por causa de sua amizade com o médico Dráuzio Varela, autor do livro que deu origem ao filme. Foi Varella, aliás, que acompanhou o tratamento de Babenco, completado nos EUA com um transplante de medula.
Esse desafio vencido é representado em Meu Amigo Hindu, o filme mais autobiográfico de sua carreira. É uma produção internacional com Willem Dafoe. O ator que viveu o Cristo de Martin Scorsese (A Última Tentação de Cristo, de 1988), entre outros papéis marcantes, faz o diretor Diego Fairman, alter-ego de Babenco.
Por causa de sua presença, e embora ele não tivesse culpa, os primeiros minutos anunciam uma bomba. Vemos uma constelação considerável de atores globais – Reynaldo Gianecchini, Maria Fernanda Cândido, Selton Mello, Dalton Vigh, Maitê Proença, Dan Stulbach, Tuna Dwek, Bárbara Paz, Ary Fontoura – falando em inglês. Mas o filme, apesar do título também em inglês, é brasileiro, e ambientado predominantemente no Brasil. Lembra aqueles filmes italianos tipo exportação, com inglês macarrônico e dublagens toscas. Só não lembra totalmente porque muitos desses filmes italianos são bem dirigidos, com estilos e ritmos muito bem organizados. Babenco é um bom diretor, mas seu estilo tende a ser mais contido, mais subserviente à narrativa. Aqui pelo menos é assim, salvo um ou outro voo livre na segunda metade.
É compreensível que tenham adotado essa estratégia de produção, pois o protagonismo de Willem Dafoe traz uma possibilidade de abrir mercados no exterior. Mas para o público brasileiro, em alguns momentos, o filme se torna uma comédia involuntária pelo nível de estranhamento causado.
Somente quando o tratamento médico se inicia é que as imagens ganham gravidade e o filme entra em outro patamar. As cenas são duras, secas, transmitem a dor e a agonia de sua luta. O filme cresce, trôpego ainda, mas com cenas bem interessantes: a pinimba com o irmão doador, os diálogos com a morte e, principalmente, a sedução de Bárbara Paz (que parece ter recebido, com este filme, um presente, daquele que um dia foi seu marido).
Muitos reclamaram que o diretor volta-se para o próprio umbigo. É precisamente a mesma oposição que fizeram ao interessante O Passado (2007), seu longa anterior. A auto-indulgência raramente é perdoada por grande parcela da crítica cinematográfica, embora obviamente nada impeça que um filme autobiográfico seja bom. Filmes belíssimos de Woody Allen (Manhattan, de 1979) e Federico Fellini (Oito e Meio, de 1963) já foram vítimas dessa intolerância, por incrível que pareça.
Meu Amigo Hindu, ao contrário dos citados no parágrafo anterior, tem alguns problemas. Talvez a opção pela onipresente língua inglesa pudesse ser contornada, ou atenuada. E a exaltação de seu poder de atração sexual por vezes parece coisa de adolescente pavão sem um pingo de autocrítica (a perseguição da mulher mística na rua). Enfim, está longe de ser um filme redondo.
Mas é o tipo de salto no abismo interessante de se ver. De um artista sem medo do ridículo, colocando-se como alvo de críticas como Fassbinder fez em diversos filmes, mas principalmente em Cuidado com a Puta Sagrada (ninguém pode dizer que o protagonista vivido por Dafoe é simpático; nossa empatia com ele acontece por vermos um ser humano vencendo uma terrível doença).
Sérgio Alpendre
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