Ano VII

Boi Neon

sexta-feira mar 25, 2016

boineon

Boi Neon (2015), de Gabriel Mascaro

Iremar é vaqueiro e sonha em trabalhar com moda. E então? O que acontece? Essa vontade: o que o filme faz com ela, para onde ela nos leva? É uma vontade inusitada, certo. Mas alguns de nós, espectadores prevenidos, já sabíamos disso, já conhecíamos duas ou três coisas sobre a história do filme de antemão. E então? Então, um novo vaqueiro chega: ele também é inusitado, destoa, tem cabelos longos, faz chapinha. Então pensamos: algo vai se passar. É evidente, é cristalino, é tão claro quanto água. E então, o que se passa? As expectativas não se cumprem, tudo bem. Ocorre uma pequena inversão de sinais, uma pequena inversão de papeis. Tudo bem. Mas o que se passa efetivamente? O que acontece? Iremar é vaqueiro e sonha em trabalhar com moda. E então? Então, nada.

Boi Neon é um pouco melhor do que o longa anterior de Gabriel Mascaro, Ventos de Agosto: aqui as cenas têm sua graça, a maior parte dos atores está muito bem, somos conduzidos displicentemente por aquele universo inusitado, até mesmo seduzidos em alguns momentos. Mas a essência de seu cinema de ficção não muda: o mesmo gosto pelo exotismo, a mesma plasticidade, as mesmas formas universalmente legíveis de um world cinema que deve muito aos filmes de Apichatpong ou de Tsai, mas que acaba não se revelando mais do que uma diluição destes. A forma como o terço final do filme desliza insidiosamente para a sacanagem lembra bastante o movimento de Eternamente Sua, por exemplo. 2016 será o ano em que veremos uma mijada em Mascaro e uma cagada em Apichatpong com as mesmas pretensões de união homem-natureza — exceto que em Mascaro não há busca pela transcendência.

Mas lembremos do balé da cena final: por mais elegantemente executado que seja, por mais que a cena chegue a nos seduzir, ela acaba por atirar num enorme vazio quando o filme, após ela, enfim termina. Iremar é vaqueiro e sonha em trabalhar com moda. E então?

É que Iremar não é exatamente o assunto do filme. O tema de Boi Neon é a ideia de gênero. O filme opera algumas inversões: os homens são vaidosos e loucos por moda, enquanto às mulheres cabem ocupações tradicionalmente masculinas (motorista de caminhão, segurança). Tudo muito claro, tudo muito evidente em signos universalmente legíveis. Tudo reforçado por uma estrutura de roteiro circular e estática. Mas essas inversões de expectativas, se têm alguma graça, também têm alcance curto: elas perdem seu valor tão logo o signo é lido. Elas são inusitadas, certo. Mas para onde nos transportam? Aonde nos levam, que conflitos instauram? Um filme determinado a discutir a questão de gênero provavelmente tornaria aquela cena final desconcertante. Mas desconcerto não se alcança apenas com um ou dois sinais trocados. É preciso ir mais fundo. Boi Neon inverte as nossas expectativas, mas não nos desconcerta. Pois Mascaro prefere a beleza, a elegância e a excitação bem comportada.

Calac Nogueira

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