Out One: Spectre (Dossiê Rivette)
Cinco proposições para Out One: Spectre
por Louis Séguin
Narrativa
Out One tem um personagem a mais e um a menos. Questiona-se sobre o desaparecimento de um certo Igor, enquanto que Jean-Pierre Léaud não busca desmascarar a organização dos Treze, mas sim ocupar o lugar, bem problemático, destinado a ele no seio do enigma da Sociedade. Essa dupla perturbação, simétrica, remonta ao “dialogismo” clássico de Bakhtine. Ela desenvolve um processo de desordem ambígua, que se perde na perplexidade do desfecho. Nunca saberemos se Igor retornará nem se Léaud é, ou não, um mero infortúnio, porque mesmo tal conhecimento é inútil para a lógica da fábula.
O texto do filme se abre sobre outros textos, e essas referências são igualmente perturbadoras. Lewis Carroll e Honoré de Balzac, A Caça ao Snark e A História dos Treze, a falta de sentido e a multiplicidade do mesmo se coincidem, se separam e se contradizem. Out One é também o filme desse ruído e dessa teleologia sem fim. O Snark é um Boojum.[1]
Política
A função política de Out One é - não importa qual seja o corolário de sua fabulação – sempre inversa. Ela não se concretiza, a não ser quando se relaciona com a ficção. O complô é a face obscura, subterrânea, da arquitetura narrativa. Balzac publica seu livro um pouco depois de 1830, na época dos “Processos dos Quinze”, quando se desfizeram os últimos sobressaltos das “revoluções das minorias” (Engels). Rivette, paralelamente, realiza Out One no instante em que as últimas ilusões de certos grupos políticos se dissipam. O fantasma do blanquismo assombra tanto o romance quanto o filme. Neles, acaba por se confundir com o que há de romanesco. Tais obras retomam a fórmula idealista, segundo a qual, a revolução será uma “arte” e descrevem a arte de uma revolução na qual a realidade é, então, “sem propósito”. Para todo questionamento acerca da moral ou da política em A Caça ao Snark, a resposta de Lewis Carrol é “eu não sei”: um impedimento total à questão.
Atuação
A improvisação – aqui, pilar fundamental da direção de atores – não é pretexto para um exercício metafísico da liberdade, um glorioso compromisso entre o natural e o conhecimento, mas sim uma performance do corpo e do meio. Os melhores atores (Juliet Berto e Bulle Ogier) são também aqueles que estão menos à vontade, aqueles que se entregam menos ao falatório e que menos se preocupam em transmitir uma impressão de fluidez. Elas correm o risco das hesitações, dos vazios, das sentenças “trabalhadas”; momento preciso no qual o véu da verossimilhança é rasgado para que uma outra verdade se mostre. Isso porque esse ato de rasgar é histérico, no sentido em que histeria é a “linguagem do corpo”. Igualmente, a verdade do ator não é o mistério da coincidência entre o assunto e o protagonista, mas sim um “gestus”, sem o acompanhamento de falas, como nos dois ensaios de Ésquilo (Prometeu Acorrentado e Os Sete Contra Tebas) nos quais é trabalhado o prazer do movimento e do grito.
Código
Opor a realidade reduzida de Spectre às doze nostálgicas horas do filme primevo, não é apenas recorrer ao dogmatismo mais banal (a sabedoria do filme nunca será privilégio de alguns invejosos), é também ignorar que o texto não está inscrito para além do excerto, da inserção, do retorno e do fotograma a partir do qual se encena, se corta e se monta o filme. Não se pode separar a letra do código.
Os “princípios aritméticos” que A Caça quer inculcar “com prudência” não são uma abstração contábil, mas uma matemática do prazer. Por que são seis atores mais Os Sete Contra Tebas, senão pelo jubilo da resultante ser um total de Treze, que “não faz sentido algum”? Jean-Pierre Léaud, ao analisar os parágrafos de textos que lhe são misteriosamente confiados, não procura uma chave específica que tudo irá decodificar, mas opera por um raciocínio transversal, descontínuo, fora da razão. Seu método não está tão distante daquela “tarefa imensa” (Benveniste) que é o anagrama saussuriano.
Economia
O financista – um calculista de uma outra espécie – ocupa, nos três tempos ficcionais, um lugar que não se pode negligenciar. Em A Caça, ele “invejosamente cuida” dos bens da equipe. No quadro “moral” que abre A Menina dos Olhos de Ouro[2] ele “impõe”, ou melhor, “aplica as regras que acabam por distorcer as moedas”. O homem de finanças é um personagem marginal, mas notavelmente persistente. Ele esclarece, numa espécie de contraluz, a silhueta miserável e desprezível da maldição pós-romântica. Em Out One, à tese de Léaud – um “protagonista por acaso”, que vive à margem do “sistema” – se contrapõe a antítese de Doniol – Valcroze, segundo a qual o dinheiro paga os custos dos complôs e do teatro.
E mais: a razão da economia é menos importante que a derisão de seu movimento. Ela se debruça sobre a estética de sua própria circulação. A “espiral” (Balzac) e a “caça” (Carroll) são as figuras de uma arte que determina por completo a existência dos protagonistas e da fabulação.
(Positif nº 162, outubro de 1974, pp. 17-18. Traduzido do francês por Guilherme Savioli)
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