Rivette em Cannes (Dossiê Rivette)
Rivette em Cannes – Conferência de imprensa do filme A Bela Intrigante
Artista e modelo
Quando eu retomei a ideia de fazer um filme a partir de Obra-prima Ignorada[1], o que me fez pensar que seria possível realizá-lo foi uma entrevista de Isabela Rossellini, eu acho que na revista Marie-Claire, sobre o fato de que ela era, ao mesmo tempo, atriz de cinema e modelo publicitária para a Lancôme. Ela firmava uma relação tão forte com o fotógrafo quanto com o cineasta. Esse é o mote da história: uma jovem que, a princípio, é contrária à ideia de ser modelo, o faz pelo desafio e ao final acaba tomada pela sedução do jogo.
O Pintor
Eu havia visto, nos anos 60, muitos quadros de Bernard Dufour, que me marcaram muito justamente pela forma como a figura emergia sobre a tela através de esquemas visuais não figurativos – naquela época ainda se falava nisso. Eu, então, comecei prontamente a pensar nele. Assim que testemunhei o primeiro encontroentre Michel Piccoli e Bernard Dufour, em Paris, cara a cara, ficou evidente que Frenhofer existia.
Balzac, nosso Goethe
Eu mantive a referência ao romance de Balzac porque eu acho que Frenhofer é um bom nome e que A Bela Intrigante é um título mágico, que sempre me fez sonhar. Na literatura francesa, eu penso que Balzac é, dentre todos, o maior formulador de ideias. O equivalente a Goethe para os alemães. Balzac é o nosso Goethe.
Um desenho, uma tomada
Nunca pedi a Bernard Dufour para que recomeçasse um desenho, nem que fizesse qualquer ensaio prévio. Eu tenho horror aos ensaios preliminares, exceto se forem verdadeiramente essenciais.
Uma forma de brincar de índio
É evidente que todas as primeiras reações de Émmanuelle foram fixadas por Bernard. Foi ele quem formulou as três frases ditas por Michel: “Direita, os braços soltos, olhe para mim, mas não fixamente”. Em seguida, isso se tornou algo completamente coletivo. Para mim, o cinema é interessante a medida em que nós o adentramos de forma coletiva. É uma forma de fazer cinema. Não digo que seja a única, nem a melhor, mas é aquela que mais me diverte, como um jogo, no qual se tem os cúmplices, como quando se brinca de índio. Isso, é como uma outra forma de brincar de índio.
Quem se expõe?
Um diretor não se coloca tanto em perigo quanto um pintor na sua relação com seus modelos, suas atrizes. O diretor é um resguardado. Ele se protege atrás da câmera.
Possessão e invenção
Existe uma frase no filme – eu não sei se é da Christine Laurent ou do Pascal Bonitzer – que diz: “Possessão, possessão…A possessão é impossível”. É certo que um pintor, um escritor, um diretor fantasiam sobre essa ideia de possessão, mas sabemos muito bem que ela não existe realmente.
As aproximações com a pintura
Com certeza, pode-se ver meus filmes como uma metáfora do cinema, mas nunca me dou conta até que alguém faça tal paralelo. O fato é que dois franceses, nesse ano, por meios que eu suponho distintos, tiveram esse mesmo desejo. É uma coincidência, mas eu creio que tal coincidência significa alguma coisa. A pintura faz parte das grandes tentações do cinema, mas ao mesmo tempo, não passa de uma mera tentação, pois todos sabemos muito bem que o cinema é o exato oposto da pintura. O cinema é uma arte impura, complexa, entre o romance, o teatro, a pintura, a música, a dança, etc…E é natural que, desse lugar um pouco indeterminado, no meio das artes tradicionais, surja a vontade de seguir tanto para uma direção quanto para outra. Repito: nós tentamos fazer um filme que verdadeiramente não falasse da pintura, mas que se aproximasse dela, que abrisse um caminho rumo à pintura. Quando o ato de pintar vai realmente começar, o filme recua e se detém no que acontece no atelier de Frenhofer. Passa-se ao outro lado da tela e não se vê mais o trabalho. Ficamos ao redor do quadro.
(Cahiers du Cinéma nº 450, dezembro de 1991, p. 49. Traduzido do francês por Guilherme Savioli)
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