4º Curta Brasília
4º Curta Brasília – balanço
Por Sérgio Alpendre
Começou politizado o 4º Curta Brasília. Compreensivelmente. Murilo Grossi, na abertura, estava engajado em explicar à plateia que este momento é histórico, uma ameaça à democracia, e, aproveitando-se do título de um filme, disparou que canalhas não passarão (estava se referindo obviamente ao Cunha, para quem, penso, canalha é eufemismo). Houve aplausos, claro, e um “Fora, Dilma” raivoso do fundo, que foi respondido com um coro de “Fora, Cunha”.
Entendo os ânimos em polvorosa, e a raiva que Grossi botou para fora. Mas isso ajuda em alguma coisa? Deixou a sessão mais tensa, sem dúvida, o que não vejo como positivo para os pobres cineastas com seus curtas, na maioria, irregulares. Qualquer realidade brasileira exposta na tela era combustível para aplausos acalorados, e, num sentido primeiro, da celebração, isso até pode ser positivo para eles. Mas alguém ali, entre os que aplaudiam com força, estava vendo de fato os filmes, para além dessa superfície? Maeve Jinkings foi uma apresentadora mais simpática e carismática, não se meteu em assuntos exteriores ao cinema, ao menos nas sessões em que a vi apresentando.
Aliás, curtas politizados já na primeira sessão. Curtas que refletem de alguma forma o “cinema brasileiro com Dilma”, embora nada tão aviltante e descaradamente panfletário quanto o “dependendo do que você achar de Jéssica, dá para saber em quem você votou”, que Anna Muylaert andou propagandeando sem a menor vergonha. Há espaço para a autocritica nesses curtas, ou ao menos para o benefício da dúvida, o que é bom. O problema deles é outro. Como sempre, é relativo à forma, ao comportamento da câmera (quase sempre negligenciada), à estruturação, à construção narrativa por meio da decupagem e da montagem. São problemas que também encontramos em longas. Justamente porque os diretores de curtas tendem a ver mais filmes uns dos outros do que a aprender com os mestres. O celebrado Sem Coração, por exemplo, tem quebra de eixo. Mas não é isso que o faria ser moderno. A já batida estratégia do foco restrito é vista numa série de curtas. Mas não é isso que os colocam em pé de igualdade com o que se faz de melhor atualmente no cinema. Muitos curtas emulam filmes badalados do cinema contemporâneo, como se isso fosse o suficiente para colocá-los dentro de uma redoma de proteção, a mesma invocada sempre que se generaliza (“tem de se ir aos filmes”, “cada filme tem sua razão de ser”, e outros relativismos que podem até ser justos em determinados contextos, mas costumam servir para mascarar a falta de ideias – ou a inflação de ideias ruins – e vislumbrar um lugar afetivo para esses filmes coitadinhos, que precisam ser particularizados, do que para discutir cinema de fato). Assim como a quebra de fronteiras entre o documentário e a ficção, que Andrea Tonacci realizou como poucos em Serras da Desordem, virou fórmula, praticamente um novo academicismo, e poucos filmes rompem decididamente com isso. Falar que o longa de Tonacci “se revelou a maior referência de uma mudança de paradigmas no olhar estético e na maneira de se fazer cinema brasileiro independente e de autor”, como o faz o release da Mostra de Tiradentes, é bem complicado, porque quais os filmes que mostram ter aprendido a lição de Tonacci? Onde eles estão que não os vejo (e olha que eu vejo muitos filmes brasileiros)? Se virou referência mesmo, os autores contemporâneos não sabem o que fazer com ela.
Talvez eu esteja sendo duro demais, já que a maior parte dos diretores é jovem e quer aprender. Mas algumas coisas são melhor ouvidas se ditas sem filtros, de maneira franca. Se dirigem filmes, é porque são adultos, e é como tal que serão tratados.
Para esta cobertura, por sinal, procurei me concentrar na competitiva brasileira, com seis sessões e trinta curtas. Não vi todas as sessões do festival (as que não vi, aliás, pouco me interessavam, com a exceção da mostra de animações francesas e da mostra alemã). Ando mais cauteloso, vendo menos coisas para não ficar com o olhar poluído pela enxurrada de imagens (risco sempre constante). Mas vi quase todos os curtas das competitivas (28 de 30) e quase todos da homenagem ao Belmonte (5 de 6). Embora tenha minhas preferências entre os curtas competidores, a premiação não me interessa.
Abaixo, breves comentários sobre tudo que vi no 4º Curta Brasília.
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Antes, contudo, um esclarecimento, para que não entendam errado o teor de algumas críticas. Algumas poucas pessoas me chamam abertamente de comunista. Muitas pessoas, por outro lado, pensam que sou um reacionário, por causa de alguns textos mal lidos e mal entendidos (por vezes mal escritos também) com minha assinatura. Bem, claro que os poucos que me consideram comunista estão muito mais próximos da razão. Os outros, sinceramente, transbordam de estupidez. Acho que está claro (ou deveria estar) em muito do que escrevo que me alinho à esquerda. Fica claro também que acho geralmente (oh, uma generalização, que pecado!!!) nossa esquerda, ao menos a esquerda que me é próxima, com a qual tenho mais contato, oportunista e estúpida, e em muitas ocasiões quase fascista. Amigos e conhecidos mais próximos da direita tendem a ser mais tolerantes a opiniões contrárias e têm muito mais paciência para contra-argumentar do que boa parte dos meus amigos e conhecidos de esquerda. Por isso não faço a menor questão de pertencer à esquerda brasileira do momento, especialmente a que é ligada às artes. Não é com essa esquerda que me alinho (mesmo sabendo que nela existe muita gente boa). Isso não me torna automaticamente favorável ao impeachment ou anti-PT, muito menos uma pessoa de direita (o que, aliás, não acho pecado). As críticas que eu fizer aqui a partidarismos que se sobrepõem ao cinema devem ser lidas apenas nesse sentido, como uma reclamação a um lamentável e oportunista estado das coisas que domina nosso panorama artístico, por vezes inconscientemente. É o modo como vejo, e por isso faço questão de me manifestar. Já passamos da fase da adesão automática e chegamos perigosamente à fase do fascismo de esquerda, ao “cale a boca, reaça” dito sem cerimônia a qualquer um que critique o governo ou se manifeste favorável ao impeachment, não necessariamente reacionários. É possível mudar esse estado de coisas, mas as pessoas devem ter um pouco de autocrítica. Do contrário, continuarão se aproximando perigosamente do fascismo.
[ATUALIZAÇÃO: a notícia de hoje, 22/12, do ataque sofrido por Chico Buarque por ele ter defendido o PT, me faz lembrar de reforçar que quando defendo amigos e conhecidos de direita como mais democráticos e tolerantes a posições contrárias do que os de esquerda não estava me referindo a essa gente que vai a manifestações contra a corrupção com o uniforme da CBF e que agride verbalmente pessoas na rua. Desses eu quero a maior distância possível].
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Afonso é uma Brazza, de James Gama e Naji Sidki
Sobre Afonso Brazza, diretor de filmes paupérrimos com locações ocupando a cidade de Brasília, este documentário mostra também sua relação com a atriz Claudette Joubert, uma das musas da boca, sobretudo em filmes de cangaço e faroestes (ou faroestes de cangaço, bem entendido). Como Brazza morreu, o formato de entrevistas mais cenas de filmes foi parcialmente quebrado. Correto.
Diário de Novas Lembranças, de João Pedro Oct.
Derivado de filmes afetados como Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças e Efeito Borboleta. Ao menos me pareceu assim. Como já não gosto das matrizes, este filme só não foi uma tortura porque é curta (“ainda bem que é curta”, dizia um slogan de outro festival). Dá-lhe musica climática e sensivel o tempo todo, com uma narração do Selton Mello que não ajuda.
Meio Fio, de Denise Vieira
Gravado na Ceilândia, com temática feminista (segundo a própria diretora), Meio Fio tem os melhores planos da primeira sessão, e os piores também. Impressionantemente, esse filme transita nos dois lados do espectro formal, o do rigor e o do desleixo (algumas angulações são desastrosas). É tão flagrante que parece até proposital. Talvez reflita – e talvez inconscientemente – a vida tumultuada da radialista Karine Ban. Seu mérito é fazer com que torçamos para ela se livrar do passado e conseguir seguir seu rumo. Mas parece que esse mérito é da atriz (amadora, só pode ser), de trejeitos impensáveis numa atriz profissional, e por isso mesmo carismáticos a seu modo.
Até a China, de Marão
Lembrei-me de Encontros e Desencontros, de Sofia Coppola, que não se passa na China, mas no Japão, e nem é animação. O traço de Marão é simples, e talvez por isso não canse a vista como algumas animações contemporâneas. Seu humor faz com que a experiência de ver seus filmes seja sempre agradável.
Quando Parei de me Preocupar com Canalhas, de Tiago Vieira
Matheus Nachtergaele faz o papel de um chato (daqueles que gritam “Vai pra Miami!!!”) que encontra um taxista mais chato ainda (Paulo Miklos, que virou arroz de festa e, no filme, é “Vai Pra Cuba!!!”). O músico Otto está na mesa também, e é mais ponderado, fora do Fla-Flu (terá ele a visão do diretor?). Falam de política, a conversa fica tensa, o filme derrapa. Entra um argentino (conheço ele, mas não me lembro de onde; será o daquele vídeo humorístico do YouTube, “Argentino no Canadá”? Não encontrei nos créditos. Comi bola? Como a proposta desta cobertura não é jornalística, mas crítica, não me envergonho em não saber).
Paixão Nacional, de Jandir Santim
Curta em que a situação social impede um breve relacionamento amoroso. Muitas coisas se passam na cabeça de Café, jovem de periferia, no instante em que ele decide se vende o ingresso para um jogo da Copa do Mundo ou assiste ao jogo na companhia de Lina, moça abonada que o presenteara com o ingresso porque teve seu celular devolvido por ele. Renderia mais, penso, se Café não se mostrasse receoso desde o início. Se ele desse alguma pinta, mínima que seja, de que estava interessado (ele vendo imagens dela no celular não vale nesse caso, não nos diz muito). Ele parece mesmo não querer nada com ela. Isso leva a uma cena muito ruim, num barracão, em que o diretor dá pistas falsas de que ela será assaltada, quando o que ele tem na mão, e só é revelado depois, é um spray de tinta.
Sala de Estar, de Pedro Cardoso
Novamente a situação social do país está em primeiro plano, nunca sendo ultrapassado pela estética. É também mais um curta que mostra um outro lado da Copa no Brasil. Interessante, mas não passa disso.
O Corpo, de Lucas Cassales
Meio sokuroviano na apresentação do problema, com um tom carpenteriano invadindo o filme aos poucos. Sim, Alexander Sokurov (via Mãe e Filho) e John Carpenter (via Cidade dos Amaldiçoados) são as referências principais deste curta de cinefilia (que talvez seja a melhor maneira de se desenvolver nos curtas; melhor, decerto, do que almejar um cinema de perfeição técnica à O2/Conspiração). Claro que essas referências podem estar só na minha cabeça, e que o filme poderia emular esses diretores e ainda assim ser ruim (quanta gente não fracassou tentando imitar Sokurov?). De todo modo, é um mérito do filme provocá-las (acredito que poderá provocar outras, em outros espectadores). Lembro que quando o menino encontra o corpo há uma certa distorção no plano, natureza ao fundo, clima soturno auxiliado pela serra gaúcha. Pensei: “que audácia, emular Mãe e Filho!”.
É assim também que se constrói um imaginário. O filme usa um pouco o estilo semi-documental batido para deturpá-lo com o fantástico. Dá para imaginar uma continuação, com todas aquelas mulheres que o menino vê na estrada parindo ao mesmo tempo filhos iguaizinhos como os do filme de Carpenter (e o original do Wolf Rilla também, que é uma beleza), os monstrinhos alienígenas. Mas o filme não chega a ser de horror. Fica tudo na base da estranheza.
Barqueiro, de José Menezes e Lucas Justiniano
Uma ideia boa, um motorista de carro funerário e o modo como ele encara a vida e a profissão, encontra uma realização decente em que a câmera pensa, mas está envolta em uma estrutura um tanto frágil, que sabota um pouco a ideia.
Quintal, de André Novais Oliveira
Algo gira em falso nessa representação de uma periferia mineira. Novamente os pais do cineasta são figuras centrais numa ficção documental em que o fantástico ocupa seu espaço. Transforma um pacato senhor de família em um acadêmico. A zoeira é divertida, mas limitada por um fator: a própria academia, com sua pompa e os nomes de trabalhos, pode ser mais engraçada do que qualquer zombaria que se faça com ela. No mais, ainda penso que os momentos prosaicos, mais documentais, foram melhor trabalhados em outro curta do diretor, Pouco Mais de um Mês (o melhor filme que ele fez, incluindo o longa).
De Repente, de Bruno Dutra Caldas
Este curta é preguiçoso formalmente. Se você adota uma câmera solta, que flutua entre os personagens, isso não o liberta da necessidade de se pensar o que essa câmera vai fazer. Daí vemos que não é fácil ser Cassavetes, principalmente quando não se viu seus filmes, ou não se viu direito.
Escuro do Medo, de João Gabriel Caffarelli
Este é o tipo de filme que narra uma trama que não entendi. Isso não seria problema, se ao menos eu quisesse entendê-la. Com a realização equivocada que vi, não me interessa rever nem sob tortura.
A Quitinete, de David Sobel
Espero que tenham escolhido os piores filmes para esta sessão. Este é o terceiro, e como os outros dois, é pior do que qualquer filme das duas primeiras sessões. “Nando é uma criatura da quitinete. Nando é a imagem de sua natureza morta”, diz a sinopse. Talvez tente representar o que é viver numa quitinete escura por muito tempo. Talvez seja somente uma afetação à procura de um sentido. Seja como for, não me interessa.
Ilha, de Ismael Moura
Aflitivo, dificil de ver, mostra uma relação de pai e filho em que um depende do outro. O filho tem medo de agua. Seu pai inunda o quarto, logo, ele só pode sair da cama carregado pelo pai. Essa é uma das pontas da metáfora do título. A cama é uma ilha, mas a vida deles também. Tem belos planos, dos quais se destaca aquele em que o jovem grita enquanto o pai depena uma galinha. A porta cria um novo enquadramento em que o filho está na luz e o pai na sombra. Mas tem umas bobagens também, como aquele movimento desnecessário da câmera quando o pai, nu e desesperado, chega perto do portão, pensando em fugir. A tentativa de suicídio é outro momento forte que carece de uma direção mais pensada, ainda que a ideia da sombra da corda tenha sido bem realizada. É insuficiente, mas pelo menos elevou o nível da sessão.
No Devagar Depressa dos Tempos, de Eliza Capai
Vai bem na maior parte do tempo, tentando entender aquelas mulheres que dizem suas falas à sombra do machismo do primeiro homem (que fala pouco e depois some). A beleza das meninas, que querem trabalhar ou estudar quando crescer, já mostra uma mudança de entendimento, uma possibilidade de se romper com arcaísmos. Mas a diretora preferiu pregar para convertidos e colocar frases governistas no final. Como falei alhures, propaganda governista raramente dá em boa coisa (a não ser que você se chame Eisenstein ou Ptushko). As frases não vão mudar a opinião de quem é contra o governo do PT, mas estão ali para fazer um agradinho na plateia politizada de festivais de cinema. Acho feio (como acharia feio se estivéssemos em 2000 e o procedimento servisse como propaganda do PSDB, logo, não se trata de incompatibilidade ideológica, mas de falha de estruturação). O filme estava indo razoavelmente bem sem isso.
Mancha de Sangue no Porcelanato, de Fernanda Sales Rocha
Dramaturgia ruim, derivada da reunião de condomínio (que já era problemática) de O Som ao Redor, com um trabalho de câmera ainda pior e uma citação tola do primeiro filme de Lucrecia Martel, O Pântano. Não basta ir aos filmes. É preciso voltar aos mestres, ou seja, aos melhores filmes. Se o modelo usado for cinema contemporâneo com prazo de validade, não se vai longe. O curta funciona como exercício para alunos, mas sua presença num festival com seleção de filmes é equivocada.
O Teto Sobre Nós, de Bruno Carboni
Ficção com forte carga documental que por vezes é abandonada, dando lugar a imagens escuras, sombrias, influenciadas, ao que parece, pelo cinema de Pedro Costa (que também mostra os que estão à margem da sociedade, fora da festa do capitalismo). Menos rigoroso do que aparenta, o curta é um dos mais interessantes de toda a seleção, o que de certo modo mostra a força do cinema jovem gaúcho (se levarmos em conta que O Corpo, também gaúcho, é outro dos melhores). Pode se fazer objeções ao lado documental, que é igual a vários outros filmes, ou à alternância entre rigor e desleixo, ou ao arbitrário jogo com as luzes. Mas a opção por recortes da imagem no retrato de pessoas com vidas igualmente recortadas tem seus momentos de força.
Entre Céus, de Alice Jardim
Vi este filme na Mostra Sururu, em Maceió, há um ano. Mostra o progresso do cinema alagoano. Era um dos melhores lá, é um dos melhores aqui. Um raro curta em que se sente o interesse pela história de um lugar e um povo, no qual se percebe um olhar mais formado pelas possibilidades que a câmera oferece. No começo, até parece um desses vários curtas com narração e trechos da cidade. Depois o filme vai se revelando mais potente e inesperado, com umas fusões estranhas e belas. Principalmente na composição dos planos. É a prova de que a forma é importantíssima, e deve estar em adequação com o que é mostrado.
Cumieira, de Diego Benevides
Três operários que trabalham num edifício de luxo fazem uma pausa e relaxam na piscina da cobertura. Um celular toca, um dos operários atende e diz que está trabalhando. A câmera sai dos três como se fosse uma mosca e vai para a paisagem urbana do litoral nordestino. Curta paraibano que, sinceramente, não diz a que veio.
A Festa e os Cães, de Leonardo Mouramateus
Eis o que escrevi quando o vi no CineOP:
“Uma série de fotos são colocadas, uma por cima da outra, enquanto uma narração que varia de emissor e é quase sempre insuportável faz uma espécie de inventário das jornadas de grande parte dos jovens cineastas de hoje: festejar até não mais poder, fazer filmes irrelevantes e endeusados cegamente e posar de reis das cocadas. A grande festa do cinema, como dizia o título daquele lixo cometido por Raya Martin. Quando o cinema deixa de ser arte para ocupar seu papel como propulsor de frivolidades e vaidades. Tirando as falas, o curta se assemelha a um tempo perdido olhando as fotos de estranhos no facebook. Não consigo entender como isso pode ser minimamente interessante. Pior é que o curta anterior de Mouramateus, A Era de Ouro, não é ruim. Porque alguém de fora pode muito bem entender São Paulo como um filme do Christian Petzold. A Festa e os Cães, por qualquer viés que se olhe, é constrangedor.”
Na revisão, continuo achando o hype inexplicável (ou melhor, explicável pela mediocridade reinante em nosso cinema e nossa crítica). Mas já acho que o final, com a explicação sobre a batida da música eletrônica, não chega a ser constrangedor. É meio adolescente, no pior sentido, e não redime o que vem antes. Mas é um mini-curta de certo interesse dentro de um curta muito pior.
José, de Fernando Gutierrez e Gabriel Ramos
Animação sem qualquer coisa de especial.
Meu Pequeno Herói Não Sabe Voar, de Pedro Jorge
A maioria dos curtas vistos em festivais recentemente apresentam essa direção que parece automática, sem um grande pensamento por trás. Este não foge disso, mas pelo menos tem um roteiro simpático, um pouco na linha Adeus, Lênin, ou seja, uma mentira necessária para deixar uma pessoa amada feliz. No filme alemão, era o filho que escondia da mãe que o muro de Berlim tinha caído. Aqui, é a mãe que leva o filho para o bairro da Liberdade, São Paulo, fazendo-o acreditar que está no Japão.
Korea, de Thiago Taves Sobreiro
Interessante homenagem a Hong Sang-soo, em um filme quase todo falado em coreano. O final é um tanto bobo, mas ao menos o filme se difere da média, exibindo um frescor raro de se ver em curtas brasileiros.
Ninguém Nasce no Paraíso, de Alan Schvarsberg
O interesse deste curta vem de seu assunto: na ilha de Fernando de Noronha, uma mulher, quando completa sete meses de gravidez, é obrigada a sair. A ilha não lhe dá condições de parir um filho. O filme propõe o contraponto com as tartarugas, que são super bem tratadas. Claro que não pede que se substitua um bom trato por outro, mas que dê a mesma igualdade de condições às mulheres, que lá estão abaixo não só dos homens, mas das tartarugas. Uma espécie de tartaruchismo.
Égun, de Helder Quiroga
Outra animação sem muito de especial, mas esta ao menos se vê com mais prazer. Curiosa maneira de se registrar o mar, por exemplo. O azul berrante invade o quadro, linhas em movimento criam imagens interessantes.
Nua Por Dentro do Couro, de Lucas Sá
Na revisão, este curta se mostrou mais frágil, até tolo em alguns momentos. O monstro na banheira já não impressiona, e o mesmo se pode dizer da garota de tapa-olho com um olho desenhado. Gilda Nomacce é uma grande atriz, mas talvez exagere aqui nas cenas em que se mostra doentia e também monstruosa. O mistério só dura uma visão, e isso prejudica bastante o filme.
Sem Coração, de Nara Normande
Mais um curta festejadíssimo, mas que não mostra a que veio. Passou em Cannes, o que lhe deu salvo conduto na crítica tupiniquim, como se Cannes ainda tivesse credibilidade. Meninos abusam de uma menina que eles chamam de “sem coração”, porque ela não chora nem reclama dos abusos sofridos. Não dá sinal algum de que está gostando, também, mas os meninos nem ligam para isso. Só um deles liga, e é logo chamado de “sem coração” também.
Dá Licença de Contar, de Pedro Serrano
Nossos músicos, coitados, continuam servindo a representações pífias feitas por nosso cinema. Aqui, Adoniran Barbosa é vivido por Paulo Miklos, em pequenas histórias que viraram música por suas mãos. Temos a casa vazia do Arnesto, o trem das onze, a saudosa maloca… Podem botar na conta: Adoniran é mais uma vítima da criatividade infame de um cineasta brasileiro.
Virgindade, de Chico Lacerda
Um homem narra sua iniciação homossexual enquanto imagens da cidade são mostradas: um ponto de ônibus, a fachada de um supermercado, um muro pintado, um posto de gasolina etc. Mais uma fórmula sendo pobremente seguida, em seus primeiros cinco minutos. Depois a coisa muda um pouco, e um desfile de membros masculinos invade a tela. Homossexuais podem vibrar com a naturalidade das imagens de nu frontal masculino. Homofóbicos vão se contorcer de nojo ou tesão reprimido. Quem não é nem um nem outro vai apenas observar que isso não tem nada de novo, e que foi só um parêntesis lúdico antes de voltar à fórmula batida de antes.
5 Filmes Estrangeiros, de José Eduardo Belmonte (1997)
Japão (ou China? ou Nepal? ou Coreia?), Camarões, França, EUA, Uruguai (ou Paraguai?). A confusão está armada. Alguns momentos toscos, outros interessantes, alguns interessantes porque toscos. Enfim, típico curta de aprendizado, cheio de ideias, poucas bem revolvidas. O título obviamente remete ao curta de Wim Wenders, 3 LPs Americanos.
Tepê, de José Eduardo Belmonte (1999)
Uma ideia: Deus como motorista de taxi. Ele próprio leva os mortos a uma outra etapa. Mas que paraíso é esse que mais parece um terreno baldio? Interessante curta que mostra a evolução de Belmonte como diretor. Por vezes lembra os curtas que a ECA fazia nos anos 90, impressão fortalecida pela montagem de Paulo Sacramento.
Um Trailer Americano, de José Eduardo Belmonte (2002)
Novamente a remissão ao cinema de Wenders, como também ao clipe de Bob Dylan que Bob Roberts, de Tim Robbins, homenageou. Curta que parece preso nos anos 80/90, o que não é negativo, necessariamente. E Godard, claro: no meio do curta um homem, segurando um cartaz em que se lê “metalinguagem”, tenta explicar o filme. Mas nem ele sabe. É um curta em busca de um significado, o que (mais uma vez) não é necessariamente negativo. Talvez seja o trabalho mais espirituoso e inquieto de Belmonte.
Dez Dias Felizes, de José Eduardo Belmonte (2002)
Ela vai fazer um aborto, ele procura ajudar como pode, Eles encaram como algo definitivo, como a morte. Bem, é uma morte mesmo. Começam a repassar alguns momentos da vida a dois. Em comparação ao outro curta do mesmo ano, este é um passo para trás. Belmonte não se contenta com o drama do casal, principalmente dela (vivida por Rosane Mulholland). Preferiu encher o filme com algumas firulas. Imagens de câmeras de segurança, por exemplo, ou a câmera acelerada. Dá saudades ver Antonio Abujanra em cena, e sua curta presença engrandece o filme. Não é pouco, mas também não é o suficiente. Dedicado a Joaquim Pedro, Jean-Luc e André (será o Bazin?).
50 Anos em 5, de José Eduardo Belmonte (2010)
Interessante curta sobre uma travessia do Eixão, em Brasília. Ela atravessará por cima, correndo risco de atropelamento, ou por baixo, correndo risco de assalto ou coisa pior? Brasília é uma cidade doida, quase proibitiva para quem gosta de caminhar. Ver este curta, brasiliense como todos os outros de Belmonte, aqui, onde ele filmou, é curioso. Ele capta bem esta monstruosidade dos carros, o aniversário de Brasília e do personagem (ambos faziam 50 anos, e o título remete ao programa de Juscelino Kubitcheck). Um curta simpático.
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