Para o Outro Lado
Para o Outro Lado (Kishibe no Tabi, 2015), de Kiyoshi Kurosawa
Sem saber o que realmente havia acontecido com seu marido nos últimos 3 anos, a jovem professora de piano Mizuki o tem de repente de volta em casa. A princípio desaparecido, Yusuke não deu notícias durante este tempo porque estava/está morto.
Há um leve estranhamento inicial da insólita situação por parte de Mizuki. Ela não tem certeza se está acordada ou sonhando, mas parece se agarrar à chance de ter o companheiro de volta.
E também acata logo a ideia de acompanhá-lo numa viagem rumo a lugares e pessoas que fizeram parte da vida de Yusuke, um passado até então desconhecido para ela.
Assim como Yusuke, todas as pessoas com quem eles vão cruzando nessa viagem podem estar vivas ou mortas. Afinal, estamos num filme de Kiyoshi Kurosawa. No universo do diretor, “se todos morremos, não há motivos lógicos para que os fantasmas não existam” (Cure), e habitando este mesmo plano físico.
Mas aqui, no caso, os mortos que ainda não foram para o outro lado e que permanecem nos lugares aonde viveram, precisando ainda de um tempo para resolver questões mundanas pendentes, tema batido do cinema de horror, não são assustadores e sim exatamente como nós, e isso desestabiliza Mizuki ( e o espectador) o tempo todo.
O que faz do filme algo especial então é que as dúvidas de Mizuki quanto ao real ou ilusório dessa jornada vão sendo trabalhadas pelo diretor com maestria. Ela parece estar descobrindo todo um mundo à sua volta e enxergando o marido pela primeira vez, e esse maravilhamento nos é dado pelo contato com a natureza magnífica de um Japão rural e seus habitantes, através de algumas sequências onde os enquadramentos, os diálogos, as luzes, o ritmo, a música, tudo contribui na construção da atmosfera vivida pela personagem.
As várias inseguranças de Mizuki vão dando lugar ao seu momento máximo, e esse ápice pessoal se materializa diante de seus olhos (na parede de flores de papel), passa pela sua pele (a água do interior que deixa suas mãos mais lisas), toca seus ouvidos (na belíssima cena do piano, um dos pontos altos do filme).
Kurosawa confirma seu enorme talento (o diretor levou merecidamente o prêmio de direção da mostra Um Certo Olhar no Festival de Cannes este ano), fazendo um belo road movie rumo à natureza interior do ser humano, local onde habitam os maiores e mais reais fantasmas que conhecemos. E que permanecem se assim permitimos.
Márcia Schmidt
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