Walter
Walter (2015), de Anna Mastro
Durante as duas semanas de Mostra, uma das dificuldades que encontramos é a de conseguir honrar nossas próprias programações. Títulos que pareciam interessantes são descartados pelos mais variados motivos: conselhos de amigos, mudanças repentinas nos horários das exibições (algumas compreensíveis, outras, não), dificuldade em ir de um local a outro em um intervalo de tempo estipulado com comovente otimismo. Para remediar situações como estas, muitas vezes optamos por entrar às cegas em alguma sala: quem sabe (e olha lá novamente o tal otimismo) não descobrimos alguma preciosidade escondida entre estas tantas possibilidades? Pois foi com tal esperança que, em um momento semelhante aos mencionados, encaixei (ou melhor, me vi tendo de encaixar) Walter na minha lista.
Trata-se, e eu não fazia a mais pálida ideia, de uma comédia independente americana. Tão logo a exibição começa, já fica evidente a pouca inteligência que me acometeu quando decidi entrar na sala 2 do agora chamado CineArte. O prólogo denuncia uma ridícula combinação de Wes Anderson com Diablo Cody e, aos poucos, vão surgindo alguns rostos familiares: Virginia Madsen, Neve Campbell, William H. Macy. Entre suas entradas em cena, uma primeira pergunta me vem à mente: qual seria a razão para esses atores terem acreditado nesta produção? Talvez ela seja o caso de um roteiro brilhante sendo malconduzido (e, se uma vez brilhante, sendo completamente desfigurado) pela estreante Anna Mastro? Ou seria esta, na verdade, filha de algum grande produtor, uma Weinstein sob humilde pseudônimo? Confesso não ter tido a menor vontade em eventualmente corroborar quaisquer dessas conjecturas, pois uma segunda questão incomodava ainda mais, esta envolvendo o evento que sugere Walter como alternativa: por que trazer centenas de filmes em vez de realizar uma curadoria mais criteriosa? Acredito que cem títulos sairia mais barato do que trezentos e, muito além da questão econômica, seria consideravelmente mais fácil planejar coerentemente as sessões. Podemos pensar no Indie, que, só para ficarmos em sua última edição, nos trouxe os novos de Hong Sang-soo e Apichatpong Weerasethakul. Seguindo a lógica, com menos nomes talvez a Mostra tivesse conseguido trazer mais filmes de interesse – certamente com maior potencial do que aquele que eu deveria (ou melhor, não deveria) estar aqui falando. De cabeça, salvo engano e apenas para citar dois exemplos, permanecem inéditos no país os últimos trabalhos de cineastas que tiveram algum sucesso em edições passadas, Athina Rachel Tsangari e Joachim Trier (Chevalier e Lauder Than Bombs, respectivamente).
Mas vamos, finalmente, ao filme: quando da morte do pai do personagem-título, Deus concede ao então garoto a responsabilidade de decidir a ida ao céu ou ao inferno de todos que, por ventura, literalmente cruzarem o seu caminho. Já adulto e ainda vivendo com a mãe (Madsen), tem sua rotina de notório fracassado abalada ao encontrar Greg (Justin Kirk), uma alma penada angustiada por saber, finalmente, o seu destino no além. Abalado, Walter vai ao terapeuta (Macy), que diagnostica a origem de seu trauma: a recusa em se enlutar pela perda do pai. A razão disso (spoiler) é que o menino vira o seu progenitor, ainda que agonizante na cama do hospital, trair a sua mãe com a enfermeira (Campbell). Também ciente do caso estava o marido traído, o que acaba por levá-lo ao suicídio. A surpresa é que este é, olhe só, Greg, aquele que anda a atormentar Walter. Tudo às claras, todos perdoados, todos rumo ao paraíso.
De minha parte, só me resta orar para que o trabalho não atrase, o trânsito ande e nenhum maldito arquivo trave, para que, hoje, eu consiga seguir com minha programação tão ingenuamente calculada. Amém.
Bruno Cursini
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