Ano VII

Sob Nuvens Elétricas

domingo out 25, 2015

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Sob Nuvens Elétricas (Pod Elektricheskimi Oblakami, 2015), de Alexei German Jr.

Dois anúncios que antecedem o início de fato do filme de Alexei German Jr. são importantes para a sua fruição: o primeiro é uma citação de Paul Cézanne que, puxando pela memória, diz algo como o que importa na pintura não são os contornos e as bordas, mas o jogo de luz; o segundo, uma colocação do narrador que faz a ressalva de que na história existem os personagens-agente, mas não é sobre eles que Sob Nuvens Elétricas irá falar, e sim a respeito dos tidos como desimportantes, acessórios.

Sobre bordas e sombras X contornos definidos: German Jr. faz um retrato de uma Rússia em 2017, cem anos após a Revolução Bolchevique, tentando posicionar personagens em algum lugar temporal, ideológico e, acima de tudo, ético. Entra, pois, a citação a Cézanne: a impossibilidade de traçar um mapa claro, definido, delineado e ordenado das coisas da história, olhando para o passado e mirando o futuro. Não há linhas de contorno definidas, mas sim as sombras, os jogos de luz. A única certeza que cada personagem dos seis capítulos do filme tem é a fidelidade com sua própria ética, mesmo que ela cause mais confusão do que clareza sobre quais são os caminhos da ação.

Sobre personagens-agente X os invisíveis: se Max Webber articula que existem aqueles que orientam e guiam o outro nos diversos tipos de ações sociais – e seriam esses, os agentes, a serem observados, como ele o faz em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo –, Sob Nuvens Elétricas está no extremo oposto, observando aqueles que aparentemente são agidos. Mas ao observá-los de maneira próxima, detida e atenta, o longa de German Jr. os tira desse lugar simbólico de “os que não fazem” e os coloca como “aqueles que se atém a uma ética muito particular e agem, mesmo que isso não arranhe uma superestrutura”.

É esse sentimento não dito – pois Sob Nuvens Elétricas não é aula ou audiovisual didático, mas cinema – que guia os personagens e que possibilita o estabelecimento de uma relação de respeito entre público e personagens. Já no primeiro capítulo, “A Fala do Estrangeiro”, a ética está colocada de maneira firme: um imigrante do quirguistão, perdido num lugar inóspito e congelante, presencia um crime. Fugir para manter-se vivo não era uma possibilidade: matar como atitude radical para externar sua raiva com aquele cenário é o inevitável.

Assim como é inevitável, ainda que tenha um custo gigantesco, para o guia turístico poliglota não compactuar com o assassinato da história. Quiçá o capítulo mais trágico do longa: alguém que protegeu o palácio do governo da tentativa de golpe em 1991, que fala línguas das mais exóticas, mas sequer consegue suprir um desejo pequeno burguês de comprar um laptop moderno 3D (artefato que, supomos, seria uma espécie de tranquilizante que o alienaria da percepção da derrota que o cerca).

Por ser um jogo de sombras e passado e presente, subjeito e história, Sob Nuvens Elétricas não organiza as sensações ou as ideias de forma a apontar a direção a se seguir. O que ele faz é ater-se à ética de seus personagens como se fosse o único gesto de resistência possível enquanto ventos melhores não vêm.

Heitor Augusto

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