Ano VII

Clássicos vs. contemporâneos

domingo out 25, 2015
Bom Dia Tristeza

Bom Dia Tristeza

Clássicos vs. contemporâneos

Por Sérgio Alpendre

Sempre achei que as melhores coisas da Mostra SP ao longo de sua história são as retrospectivas. Shohei Imamura, Manoel de Oliveira, Abbas Kiarostami, Theo Angelopoulos, Seijun Suzuki, João Cesar Monteiro, Amos Gitai, Valerio Zurlini, são alguns dos cineastas que conheci melhor (muitas vezes integralmente) graças a elas.

Este ano não tem uma retrospectiva de grande nome, apesar do monte de clássicos que veio na maravilhosa retrospectiva da Film Foundation de Martin Scorsese, cineasta que ainda amo como amava nos anos 1990 (apesar de ele não estar mais na melhor forma, que foi de 1980 a 1995). Não se pode chamar de uma retrospectiva Scorsese, apesar de todos os filmes passarem por seu crivo pessoal. Essa ausência, de certo modo, é sentida, e apenas cinco filmes do grande Mario Monicelli não atenuam o sentimento. Daí que fica um sentimento de incompletude, como se a Mostra viesse com um buraco.

Claro que é um sentimento falso, e a programação deste ano não está tão inferior à do ano passado. E que ver um clássico e depois um contemporâneo é sempre um problema, uma escolha prejudicial demais ao contemporâneo.

Alguns amigos, por exemplo, saíram de Rashomon, obra-prima de Akira Kurosawa que ensinou muitas coisas importantes a diretores como Clint Eastwood ou Paul Verhoeven, para ver Chronic, daquele diretor que fez Depois de Lucía. Odiaram Chronic. Por que será? A meu ver, em grande parte porque estavam com o nível de exigência elevado pela experiência do filme japonês. Mas é bem possível que Chronic seja uma bomba mesmo (vou conferir nos próximos dias).

Mais ou menos na mesma hora em que passava Rashomon, vi Bom Dia Tristeza, de Otto Preminger, e logo depois, na mesma sala, O Apóstata, de Federico Veiroj (o bom cineasta uruguaio de Acne e A Vida Útil). Por mais que as qualidades de O Apóstata sejam sensíveis e admiráveis, que sua mise en scène seja hábil o suficiente para deixar-nos presos na poltrona, com ótimas passagens de cenas e delírios muito bem inseridos no cotidiano do protagonista, a mise en scène de Bom Dia Tristeza é para se ensinar em sala de aula, para qualquer aspirante a cineasta decorar e tentar imitar antes de partir para o primeiro curta. Seria necessário lavar os olhos entre um filme e outro, mas essa lavagem teria de durar umas três horas (mais do que as duas horas que tiveram os amigos da dobradinha Rashomon/Chronic).

Riscos à parte, é muito instrutiva a experiência de ver um clássico e logo depois um contemporâneo (ou vice-versa). Pode ensinar a diferença entre um grande cineasta (Preminger) e um artesão competente (Veiroj – os que não aceitam a pecha de artesão hoje em dia, com raras exceções, fazem cinema falsamente autoral: Raya Martin, Xavier Dolan, Albert Serra, Lisandro Alonso, Brillante Mendoza…). Deveria ensinar os novos realizadores a trabalhar melhor. Mas estes, salvo (novamente) exceções, parecem mais preocupados em ver filmes uns dos outros em vez de aprender como se filma.

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