PIKADERO
PIKADERO (2015), de Ben Sharrock
Afetuosa crônica sobre a crise econômica espanhola (ou, evitando briga, basca), Pikadero filia-se àquelas comédias iniciadas por Buster Keaton e que, passando por Jacques Tati e Yasujiro Ozu, têm hoje como expoentes cineastas com propósitos tão diferentes quanto Eugène Green e Elia Suleiman. Nelas, um ritmo desapressado apresenta personagens usualmente bem-intencionados, porém um tanto fora de sincronia com a ambiência que os cercam: daí as atuações não raro parecerem teatralizadas, às vezes até mesmo beirando a pantomima. O espaço, ao contrário, é exibido em sua plenitude, sempre concreto, palpável. Tais características, por si só – talvez fosse desnecessário dizer -, jamais poderiam significar qualquer coisa positiva ou negativa, vide a filmografia recente de Roy Andersson, cineasta que, a despeito de compartilhar aproximações estéticas com os nomes acima mencionados, gera obras que se parecem mais e mais com pretensiosas peças publicitárias.
Em seu primeiro longa-metragem, o jovem realizador escocês Ben Sharrock consegue evitar tal constrangimento: curiosamente filmado nas belas regiões montanhosas do País Basco – e falado no dialeto local -, o título do filme, Pikadero, refere-se a uma gíria que indica lugares utilizados por amantes para, dentro de seus carros, fazerem o que amantes fazem, ou, no caso, deveriam, porque aqui falamos de Iñaki (Lander Otaola), à beira dos 30, estagiário de uma pequenina e quebrada fábrica de chaves. Antes de qualquer imagem, sabemos que finalmente ele conseguira um encontro com uma moça, Ane (Bárbara Goenaga). No entanto (e haverá vários deles), existe o fato dele não ter veículo algum. Por orgulho, timidez ou insegurança, o rapaz se recusa a consumar o romance em banheiros públicos ou na sala do apartamento de seus pais, enquanto seu avô dorme no quarto ao lado. Típico personagem fracassado, seu sonho é algo simples, mas que ainda assim lhe parece distante: formar uma família, manter-se estável economicamente e, quando aposentado, residir em uma cidade litorânea. Sua pretendente a namorada é quase o seu perfeito reverso: estuda história da arte, é cinéfila e deseja ir à Escócia para tornar-se tradutora e deixar as agruras de seu país natal. Iñaki tem apenas um amigo, na verdade seu concorrente na vaga pela efetivação do trabalho na fábrica. Como ela, este também ambiciona deixar a Espanha, passando suas horas de almoço ouvindo, em seu walkman, fitas cassete de aulas de alemão – aliás, o anacronismo aqui é recorrente, deixando às claras o suposto atraso a que estão submetidos estes cidadãos (e, também às claras, piscadelas hipsters ao público ao qual o filme é destinado, ou seja, àquele dos festivais, ou seja, nós).
Tais enredo e personagens são, nota-se, elementares. Em síntese, um romance entre opostos com personagens estereotipados: o loser resignado buscando forças para vencer suas limitações; a moça descolada e idealista; o amigo meio amalucado, funcionando como evidente alívio cômico. A beleza do filme, portanto e por mais discreta que ela seja, está proporcionalmente fracionada na talentosa estilização dos planos, no bem escalado elenco (todos bascos) e em um roteiro que, seguindo à risca os famigerados manuais do gênero, consegue ainda assim surpreender por sua – tímida, é verdade – determinação em levar a cabo suas intenções; pois, se pela familiaridade das situações exibidas somos levados a pensar em uma jornada de superação pessoal do protagonista, sua conclusão surge um tanto amarga e seu último plano nos deixa com um sorriso pesaroso no rosto. Nada nada, é mais do que podemos esperar da média dos títulos que serão exibidos nesta Mostra, cuja seleção está, aparentemente, entre as menos inspiradas dos últimos anos.
Bruno Cursini
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