Bata Antes de Entrar
Bata Antes De Entrar (Knock Knock, 2015), de Eli Roth
Um cineasta não precisa ser depalmiano. Mas, quando escolhe encarar o cinema negando todos os preceitos de Brian De Palma, é evidente que algo muito doentio, porque falho, perturbado e incapaz, se passa durante a tradução do mundo concreto em imagem. “Isso não é um sonho”, aparece escrito na camiseta de uma das jovens em Bata Antes de Entrar. Abdicar, de modo tão vulgar, de qualquer traço onírico quando se põe a filmar o horror, é responder aos desvios psicológicos, é alimentar a alma corrompida do psicopata que caminha pela silk road.
No epílogo de Pecados De Guerra, quando Michael J. Fox acorda, suado, dos horrores da guerra de baixa humidade e grandes perdas, morais e físicas – mais do que membros dos pelotões ou do próprio corpo, o soldado que lutou no Vietnã perdeu parte da alma - e desce do trem em busca da jovem asiática que lhe traz lembranças. Ela diz: “você teve um sonho ruim, pelo jeito. Mas já passou”. Tudo o que vimos antes do prólogo foi, de fato, um pesadelo e, por meio do exame cuidadoso deste sonho terrível, é que De Palma alcançou o aspecto mais importante, por ser mais real, da infame guerra: o aspecto moral. O mergulho através do sonho encharca o corpo de verdade de modo muito mais pungente do que um documentário da BBC sobre o conflito. O pesadelo é a imagem interior, a imagem anterior a qualquer linguagem. É a imagem essencial. É ali que se deve olhar.
Quando Roth nega o sonho, nega a imagem. A tela, então, é preenchida por uma sucessão de punições, em que pulsam os mais abjetos sentimentos humanos. O gesto predominante do filme não é, nunca, o da criação, tampouco o da destruição: é o da sujeira e da pichação, pura e simples. Abundam momentos em que o espaço é emporcalhado – o café da manhã pós-sexo – e vandalizado – as obras de arte e a casa da esposa traída – com o impulso animalesco que se vê em aberrações como a do Estado Islâmico. Sabemos muito bem no que resulta a incapacidade em enxergar a beleza, principalmente em relação às mulheres. O ódio faz com sistemas políticos as abominem, com que religiões as escondam. Roth, inebriado pelo desequilíbrio, o castigo e a raiva, subverte o que seria um conto moral – um homem feliz e casado não deve trair a esposa com duas ninfetas que tocam a campainha e pedem para tomar banho em sua casa no sábado à noite – em um jogo cínico de troca de empatia. Pobre Keanu, tomara que essas vadias morram, em substituição a doces vadias, esse Keanu é um safado.
Um sujeito que filma mulheres para não filmar mulheres, e sim, seres abstratos, formulados em sabe-se lá em qual camada da deep web, ou que ousa adentrar a escuridão do horror sem nunca ter fechado os olhos e sonhado, é alguém indubitavelmente pobre de espírito. Que os filmes de Roth continuem mantendo acordados aqueles de igual valor moral. Todos os outros, que sonhem.
Wellington Sari
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