RIO – DIA 8
DIÁRIO DO FESTIVAL DO RIO
DIA 8 – SEXTA-FEIRA – 09/10, por Gilberto Silva Jr.
SOL A PINO (Zvizdan), de Dalibor Matanic (Croácia / Eslovênia / Servia, 2015)
Ao que parece, as cinematografias das antigas repúblicas iugoslavas ainda têm muito a exorcizar quando o assunto são as guerras fraticidas que por lá ocorreram na década de 1990. Sol a Pino traz o artifício de usar os mesmos atores para narrar três histórias envolvendo diferentes casais e passadas em momentos históricos diversos – 1991, 2001 e 2011 –, para criticar as agruras e alertar que, mesmo ao passar do tempo, os ranços de rivalidade ainda permanecem. A questão é que, os fatos ocorridos por lá são tão absurdos que, uma abordagem realista como a do diretor Matanic não dá conta da insanidade dos conflitos. Um retrato mais fiel destes se faz mais compatível com o tratamento delirante de um Emir Kusturica, por exemplo. Sol a Pino acaba sendo um dramalhão irregular em seus três momentos: o primeiro mais previsível e apelativo, o segundo um pouco mais instigante, pelas tensões e repressões acumuladas, e o terceiro mais desconjuntado, onde Matanic consegue a difícil proeza de filmar uma rave de forma mais canhestra que aquilo feito no brasileiro Paraísos Artificiais (2012).
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PER AMOR VOSTRO, de Giuseppe M. Gaudino (Itália, 2015)
Já que falamos em filmar mal, o italiano Gaudino oferece aqui um verdadeiro tratado de como fazê-lo. Nada explica, além de uma possível “cota de reserva de mercado”, o fato desta aberração cinematográfica ter, não somente competido num festival como Veneza, mas também conquistado o prêmio de melhor atriz para Valeria Golino. Ela se esforça e se esbraveja para compor a personagem Anna, uma mãe de família que carrega todo o drama do mundo nas costas. O tom de Per Amor Vostro é de um exagero descontrolado, misturando um preto-e-branco sem contraste, câmera de mão à la Dardennes, inserção de efeitos gráficos sem propósito e intervenções musicais de tamanha boçalidade que só conseguem causar vergonha alheia por tudo aquilo que é visto na tela. O filme faz aquilo que parecia impossível. Se equiparar, ou até mesmo superar Madonna como o pior filme visto na maratona carioca.
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FRANCOFONIA, de Aleksandr Sokurov (França / Alemanha / Holanda, 2015)
Sokurov é um cineasta de obra reconhecidamente pretensiosa e irregular. Seja nos acertos ou nos erros, duas fixações estão em recorrência na sua obra: a necessidade de revisitar momentos históricos e a paixão pela arte. Arca Russa (2002) é uma bela encarnação dessas fixações em sua declaração de amor pelo museu Hermitage de São Petersburgo. Em Francofonia, Sokurov faz sua ode a outro museu, o Louvre, misturando dramatização e documentário para refletir sobre como esse sobreviveu à ocupação alemã durante a 2ª Guerra. Apesar da profusão de recursos utilizados – encenações, filmagens de arquivo, fotos, gravações – o diretor consegue conter seu estilo muitas vezes exuberante e conferir uma unidade ao assunto tratado, contando com digressões e deslocamentos que chegam a levá-lo brevemente ao familiar Hermitage, sem, no entanto, desviar-se do assunto principal. Com eficiência, Francofonia parece cumprir as intenções do autor e manter o interesse durante sua projeção curta e coesa.
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LOVE & MERCY, de Bill Pohlad (EUA, 2015)
Biografias de artistas se enquadram num subgênero à parte que poucas vezes traz surpresas ou rende filmes que superam os clichês. Restava sempre a esperança que um gênio como Brian Wilson merecesse um tratamento compatível com sua grandeza. A primeira hora de Love & Mercy traz momentos que parecem sugerir que o filme se situaria um pouco acima do lugar comum. Alternando dois momentos na vida do biografado, a década de 60, com o auge da criatividade e os primeiros indícios dos problemas psicológicos, e a década de 80, quando conheceu a vendedora de carros Melinda Leadbetter, cujo amor o devolveria aos trilhos da carreira, o filme segue até certo ponto impressionando, com a autenticidade conseguida, seja no tom quase semidocumental que reproduz a gravação das bases e arranjos para a obra-prima Pet Sounds, seja na entrega e na veracidade atingida pelos atores John Cusack (o Wilson maduro) e Elizabeth Banks nas cenas em que o casal começa a interagir. Com o passar do tempo, os efeitos narrativos de rotina vão tomando conta do filme, que descreve sem imaginação o processo de “piração” de Wilson (interpretado por um Paul Dano na tradicional atuação calcada na cópia de trejeitos), além de, em seu outro tempo de ação, ser dominado por um tom de exageros coroados na composição de Paul Giamatti, que atua e é filmado como quase um vilão de filme de James Bond. No final, seguem as belas canções de Wilson na cabeça, mas, no que tange ao cinema, a sensação é de decepção provocada por um filme que não consegue alçar o voo inicialmente sugerido.
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