Homem-Formiga

Homem-Formiga (Ant-Man, 2015), de Peyton Reed

A ideia de que Homem-Formiga seja um filme sobre um personagem “menor” do universo Marvel, que poderia a princípio ser vista como uma mera piada ou trocadilho, pode igualmente servir de ponto de partida para que se pensem algumas razões que levem o trabalho em questão a se concretizar em um dos filmes de super-herói mais interessantes dos últimos tempos. Certa vez, em conversa informal, um colega crítico me disse considerar que as atuais franquias da Marvel poderiam ser vistas como um correspondente contemporâneo dos grandes épicos da década de 1950 (Os Dez Mandamentos, Ben-Hur etc.), que visavam proporcionar espetáculos destinados a tirar o grande público de frente da TV e levá-los às salas de cinema, o que tem como exemplo máximo a série Vingadores. Certamente os grandes estúdios, já então em decadência, não deixavam de oferecer igualmente filmes de menor escala e orçamento, onde esse menor comprometimento tornava possível uma maior variação temática. Então, obviamente guardadas as devidas proporções, Homem-Formiga pode ser visto como um filme-B dentro das transposições cinematográficas dos personagens Marvel. Esse raciocínio não parte, é claro, das questões orçamentárias do filme, onde não se economizam recursos para o melhor daquilo que a atual tecnologia pode comprar. Mas sim do fato que, partindo de um herói menos icônico (ao menos para o público em geral), temos uma menor cobrança que acabou certamente por proporcionar uma maior leveza ao projeto como um todo.

A escalação inicial do britânico Edgar Wright, especialista em comédias, deixa claro que a abordagem centrada no humor sempre esteve no cerne da concepção de Homem-Formiga. Mas o equilíbrio entre comédia, aventura e pitadas de romance, que vemos no produto final, dificilmente teria sido concretizada sem sua posterior substituição por Peyton Reed. Tendo em vista o trabalho anterior de Wright, é grande a probabilidade que sua concepção fosse dominada por um maior tom de galhofa que acabou por se diluir no contexto geral. Por sua vez, Peyton Reed consegue, aqui, concretizar o bom momento de cinema que vinha nos devendo há mais de uma década, desde o ótimo Abaixo o Amor, de 2003.

Como naquele, que ainda é o melhor trabalho do diretor, um dos grandes méritos de Homem-Formiga reside na escalação de elenco e direção de atores, o que leva talvez às melhores atuações já vistas em fitas de franquias Marvel. Paul Rudd, sem se desligar do conceito de variações sobre o homem comum que vem desenvolvendo ao longo da carreira, especialmente em suas colaborações com Judd Apatow, marca belo gol como Scott Lang, sempre reticente ao cair na armadilha de se tornar um “super-herói”. Michael Douglas carrega na pele sua bagagem e desencanto como Hank Pym, e Corey Stoll dá o tom e charme certos a um vilão surpreendentemente não caricato, dentro de um filme centrado em chave cômica.

Voltando ao espírito de cinema-B, este se mantem quase sempre presente ao longo da projeção de Homem-Formiga. Isso se deve em especial na acertada opção em não concentrar a ação principal no inevitável confronto com um antagonista que visa destruir o mundo (o que não está nem um pouco ausente, diga-se de passagem), mais em desenvolver a maior parte da trama como um heist movie, ou seja, um filme de planejamento e concretização de um roubo audacioso. Esse pé fincado no B é constantemente reforçado com as constantes referências a O Incrível Homem que Encolheu, clássico dirigido por Jack Arnold em 1957, e só começa a se perder no clímax de embate final entre Lang e seu adversário Jaqueta Amarela. Mesmo assim, o confronto assume interessante identidade própria a partir da boa exploração visual das variações de tamanho dos personagens.

Ao final de Homem-Formiga, a rendição da trama aos princípios do arquetípico embate bem x mal e as cenas extras dos créditos sugerem uma forte possibilidade que a leveza aqui atingida venha a se perder na sequência da franquia e na explícita ideia de incorporação do personagem ao universo dos Vingadores. Enquanto isso não chega, vale apreciar este trabalho certeiro de entretenimento envolvente e honesto, coisa cada vez mais rara no cinema americano popular de nossos dias.

Gilberto Silva Jr.