O Agente da U.N.C.L.E.
O Agente da U.N.C.L.E (The Man from U.N.C.L.E, 2015), de Guy Ritchie
Filmes de espionagem costumeiramente são estufados com longas cenas de exposição. Até a entrada de Daniel Craig na série James Bond, rigorosamente todos os longas de 007 contavam com uma cena pós-créditos de abertura, em que alguém do MI6 perguntava se o agente era familiarizado com determinado assunto (geralmente um artefato, ou joia) ou pessoa (quase sempre, o vilão). Invariavelmente enfadonhas no primeiro contato, as cenas de exposição abundavam até mesmo em Hitchcock, que as detestava, mas, evidentemente, entendia a importância desse dispositivo narrativo e dos seus efeitos psicológicos no público.
O Agente da U.N.C.L.E não se pretende um filme de espionagem. Trata-se de uma simulação de filme de espionagem, em que os códigos do gênero e da série televisiva que deu origem ao longa são reestruturados em laboratório, com a intenção de potencializar as características que são comumente encontrados nesse tipo de cinema. Sendo fruto dos anos 60, é óbvio que há grande enfoque nos figurinos, sempre coloridos e exuberantes, na música soul e na direção de arte. Uma vez que os elementos são sintetizados para formar uma pílula pop, lima-se aquilo que poderia ser considerado aborrecido e entediante: justamente as cenas de exposição.
Sem elas, o que se tem é uma obra de clímaxes ininterruptos, uma sucessão de sequências em que música e imagem desfilam a passarela com andar cool e calculado. Acotovelam-se cenas desta natureza e a primeira consequência desta escolha é o fato de que no meio de tantos prazeres fáceis, é difícil até mesmo lembrar-se de algum especificamente. Não há segredo, espera, suspense e, muitos menos mise-en-scène, se é que vale a pena cobrar pela sua existência em um tipo de cinema que evidentemente deve mais à publicidade e ao videogame do que ao… cinema.
A sala de espera é o espaço fundamental no cinema de gênero. A fumaça de cigarro que cobre o rosto sujo do soldado no filme de guerra é o equivalente à tragada de informações sobre a trama que o filme de espionagem oferece ao espectador. Essa pausa antes do momento decisivo, antes da combustão, é o que faz do cinema de gênero fascinante.
Guy Ritchie e seu roteiro “ágil” (a praga da agilidade ainda vai nos levar a uma morte lenta), na frívola ânsia em transformar a sisuda cena de exposição em serelepes jogos de flashback só serve para mostrar como a autoconsciência do mundo cínico e autorreferente dos dias atuais tem derretido a capacidade de se fazer uma simples imitação de James Bond, como o era a série original.
Wellington Sari
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