Ano VII

O Último Cine Drive-In

quinta-feira set 10, 2015

o_ultimo_cine_drivein

O Último Cine Drive-In (2014), de Iberê Carvalho

Um protagonista chamado Marlombrando, um Cine Drive-In que já teve melhores dias, uma mãe doente, um pai relapso que tem a segunda chance, uma funcionária grávida. Esses são os elementos de O Último Cine Drive-In, de Iberê Carvalho. O filme foi tratado como um acontecimento na semana de sua estreia, o que é estranho dada sua pequena estatura. Digo pequena por ser um filme modesto em orçamento e estilo. Mas de modo algum é um filme desagradável. Longe disso.

Vamos por partes:

a) Marlombrando (Breno Nina) esteve sei lá onde no passado. Tenta visitar sua mãe doente no hospital, mas não o deixam entrar, sei lá por que motivo. Mesmo tendo ido todos os dias durante uma semana. Essas trocas de funcionários em hospitais obedecem a critérios esquisitos. Parecem todos robôs, programados para dificultar a vida de quem já está sofrendo. Ele vai procurar seu pai, a quem chama de Almeida (Othon Bastos, talhado para o papel). Almeida é quem dirige o Cine Drive-In. Provavelmente se emocionou com algum filme de Marlon Brando e resolveu homenageá-lo usando o filho como cobaia. Pai e filho, aliás, não se dão muito bem, mas isso parece ser algo solucionável. Ele chega e pega o quarto que estava sendo ocupado por Paulinha, funcionária de Almeida. Aos poucos vai se envolvendo com o local, com o descaso dos espectadores, com a morte iminente da sala de exibição.

b) Um casal entra no Cine Drive-In para transar, outro entra depois, e o porteiro prefere ver um programa tosco em seu pequeno televisor com imagem ruim. Almeida recebe uma notificação de despejo. É Paulinha quem recebe, na verdade, num dos momentos mais engraçados do filme. Ela pergunta como faz, o brucutu de terno diz que é só assinar, mas ela quer saber como acionar a caneta. Cena natural, num correto tempo de humor.

c) Marlombrando encontra imagens em que ele está no colo de sua mãe, Fátima, jovem, bonita, alegre. Imagens caseiras que revelam um passado perfeito, tão perfeito que só pode ser um golpe de memória. Fátima (Rita Assemany) retoma a alegria na cama do hospital quando recebe a visita de Almeida (estão juntos ainda?) e Marlombrando. As imagens caseiras unem os três. Mãe e Marlombrando pequenino estão dançando no Drive-In (ele no colo dela). Esse é o passado dos vídeos. As notícias do presente não são boas. Ela tem apenas dois meses de vida. União ameaçada novamente. Filho e pai brigam no caminho de volta. O motivo: o filho mentiu para ela, dizendo que o tratamento vai demorar uns dois meses e depois ela tem alta. Como uma típica mãe fordiana, ela sabe que é mentira. Chora, solitária, no quarto do hospital.

d) Othon Bastos é o motor do filme. Não poderia deixar de ser. O ator é um monstro da atuação. Domina cada cena, cada respiro, cada plano em que aparece. Seu Almeida é distante, pai relapso, como dissemos. Mas foi relapso. Já não é mais. Ou ao menos não quer ser, e não parece ser. Tenta ser um bom pai para Marlombrando, mas este herdou uma rebeldia irreversível, que desperta quando próximo do pai, por causa do descaso que sofreu, abandonado quando mais precisava de um abraço amigo. As pessoas amadurecem, e Almeida pode muito bem estar arrependido de ter sido um pai ausente. Merece a segunda chance. Marlombrando, no fundo, sabe disso.

e) Paulinha está grávida. De quem? Trabalhadora incansável, ela é fundamental para o funcionamento do drive-in. Mas, cansada dos maus tratos, resolve ir. Brando a convence a ficar. A atriz, Fernanda Rocha, é ótima, tem as falas mais agradavelmente naturalistas do filme. Muda de rosto e expressão conforme a situação. Pode parecer charmosa ou desengonçada em questão de segundos. Ótima para contracenar com Othon Bastos (ator que, por sua força, tende a prejudicar, pelo desequilíbrio em cena, aqueles que são fracos na arte da interpretação). Paulinha é a tocadora de piano que permite o equilíbrio do filme. Fica escondida dos holofotes, tal como um volante que tranca o meio de campo e permite que os atacantes brilhem.

Em muitos momentos mal filmado, com uma câmera solta que parece mais feliz do que deveria ser, O Último Cine Drive-In, a despeito disso, explode em melancolia. Não é bem do fim de um cinema que fala o filme, mas do fim das coisas, da impermanência de tudo, inclusive das relações entre pessoas que se amam. Relações mediadas por imagens (os videos caseiros, a tela do drive-in ao fundo, os posters de filmes, os rolos de película), pela visão de filmes: em um momento chave, está passando Na Mira da Morte (Targets, 1968), de Peter Bogdanovich, na tela do drive-in – Bogdanovich é o mesmo diretor de A Última Sessão de Cinema, de 1971, filme com o qual O Último Cine Drive-In obviamente dialoga. Relações sustentadas também por possibilidades de reconciliação: é o que pai e filho querem, mas nem sempre estão na mesma mão da estrada. Brasília, “cidade com mais carro que pessoas” (diz Marlombrando), observa tudo com a frieza do protocolo. E uma música kaurismakiana aparece no último terço, para nos lembrar de filmes, para nos fazer retornar ao terreno das alusões: Omar Sharif, em Lawrence da Arábia, pode ser um mensageiro da salvação. Tem comédia e Frank Capra também. Splendor, se preferirem. De alguma forma, o filme nos prende. Seu drama é verdadeiro, documental. Os atores são ótimos. Se tivesse uma câmera melhor pensada, atingiria altos voos.

Sérgio Alpendre 

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br