Ano VII

Box Giallo

quinta-feira set 10, 2015
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Tenebre, de Dario Argento

GIALLO – 4 CLÁSSICOS DO GÊNERO (VERSÁTIL HOME VIDEO):

Seis Mulheres Para O Assassino (Sei Donne Per L´Assassino, 1964), de Mario Bava

Tenebre (Tenebrae, 1982), de Dario Argento

O Estranho Vício Da Senhora Wardh (Lo Strano Vizio Della Signora Wardh, 1971), de Sergio Martino

O Segredo Do Bosque Dos Sonhos (Non Si Sevizia Um Paperino, 1972), de Lucio Fulci

O giallo é um delírio transformado em mundo, ou um vislumbre daquilo que há de febril na existência? A cor amarela, que em italiano dá nome ao gênero, é indissociável de um estado de doença, em que a temperatura corporal aumenta para servir de alarme ou tentar eliminar um ser estranho.  O alerta vermelho da loucura, título de um dos filmes de Mario Bava (não presente no box Giallo, lançado pela Versátil), é mais do que o nome de um longa-metragem, é a frase síntese deste universo cinematográfico de imagens vibrantes e pervertidas.

Mario Bava é luz. Seis Mulheres Para o Assassino é a gênese da estética do giallo. Motivos que seriam reutilizados por tantos outros cineastas do estilo (e até mesmo fora dele, como Godard em Bando À Parte, que fantasia um dos personagens como o matador do filme de Bava) aparecem pela primeira vez, como a navalha brilhando ao ser aberta, a luva negra de couro, os manequins etc. No universo de modelos, moda e drogas, o cineasta minuciosamente se dedica ao artesanato de cada plano – que se constitui em um mundo em si mesmo – muito mais do que à montagem, o que faz da inevitável influência hitchcockiana um mero vestígio e não um norte. A elegância na crueldade e o colorido da escuridão fazem de Bava o elemento luz da safra de cineastas italianos que lidaram com o horror. A morte, em Seis Mulheres Para O Assassino, que ataca, justamente, seis moças, é acima de tudo uma experiência estética, que, dado seu impacto, soterra qualquer possibilidade de “leitura” misógina sobre a obra (aliás, a simples menção da palavra “leitura” ao se falar de Bava deveria ser proibida; há que se esquecer o estruturalismo e erguer um monumento aos cognitivistas quando se pensa nos melhores exemplos de horror italiano, como este).

Tenebre (1982), tardio giallo de Dario Argento (o gênero teve o auge no fim da década de 60 e início dos 70) é, entre outras coisas, uma resposta do autor, em forma de sátira, às “leituras” extra-fílmicas sobre sua obra. Sendo assim, os assassinos do longa-metragem são os dois homens de letras: um é escritor, e o outro, crítico literário que realizou estudo – estapafúrdio – sobre o primeiro. Se Bava é luz, Argento é tinta e, como tal, implora para ser visto ao invés de lido. Há que se usar as palavras certas para cada intenção, deve se levar em conta as implicações de cada escolha: a palavra sempre pode ser tomada ao pé da letra, inclusive por um maníaco que mata imitando com precisão as frases de um livro. Argento não queria ser “lido”, queria ser visto e para ressaltar a polaridade entre oralidade e plasticidade, cria uma das mais vibrantes cenas de toda sua filmografia: tendo a mão decepada pelo machado do assassino, a vítima, pulsando vermelho pelo ex-pulso, vira-se para a parede branca, a tela, e a tinge de vermelho, formando, com o dripping, uma forma abstrata. Essa action painting macabra combina perfeitamente com a arquitetura modernista exibida ao longo de Tenebre, com seus prédios de funcionalidade bauhausiana e praças brancas, em que sobra concreto e falta árvore. Trata-se de outra resposta de Argento, desta vez para a própria realidade de Roma na época: cosmopolita, tecnológica, engajada em “questões atuais”, como o machismo. Roma, cidade moderna pintada por Argento, é, tal observa Maitland McDonagh, autora de “Broken Mirros/Broken Minds: The Dark Dreams Of Dario Argento”, fria e quase distópica.

A Europa de O Estranho Vício da Senhora Wardh (1971) é lisérgica e Sérgio Martino é substância alucinógena sintética. A síntese vem de Bava e Argento: o colorido do primeiro misturado com as tintas carregadas do segundo.  O longa é um verdadeiro labirinto de idas e vindas temporais, reviravoltas da trama, distúrbios sexuais e voyeurismo. Edwige Fenech, a musa do giallo, deste e de qualquer outro, é uma espécie de duplo de Kim Novak, mesmo que as duas não sejam de todo semelhantes fisicamente. São os olhos que as unem e que permitem a Hitch/Martino fazer do close um espaço de tensão sexual e fragilidade. A simples presença de ambas no plano garante uma espécie de estado de visagem da imagem. Martino é o cineasta do corpo (não por acaso o título americano de um de seus filmes é Torso) e Edwige se mostra como a perfeição de um tipo de beleza. E a beleza, no giallo, é sempre assaltada pela imperfeição física, na figura dos assassinos, ou mesmo moral, nos desvios comportamentais que a suposta heroína apresenta ao longo do caminho.

Com Lúcio Fulci em O Segredo Do Bosque Dos Sonhos (1972) temos acesso à outra Itália: a estrada que se perde para adiante da linha do horizonte, mostrada nos primeiros planos do filme indicam a saída da cidade e da urbanização, da arquitetura e da moda para o universo arcaico do campo, em que duelam religião e superstição. A personagem de Barbara Bouchet, típica beldade citadina, é o resquício do giallo padrão, normalmente situado em capitais, atirada em um espaço estranho de padres e bruxas. Fulci é um diretor da matéria, da concretude das coisas, e o zoom in, constantemente empregado, é o substituto do tato. O diretor, muitas vezes visto, erroneamente, como cineasta grosseiro, sem dúvidas é menos elegante que seus famosos pares, o que não significa dizer que o aspecto rústico de suas obras as façam feias. O Segredo Do Bosque Dos Sonhos tem a beleza rupestre e grotesca de um Fuseli e mesmo que aqui não sejam mostradas criaturas, como nos quadros do pintor ou nos longas subsequentes do italiano, a deformação e o herege são motivos presentes, seja de maneira sutil ou completamente explícita, como na morte ao final do filme, em que um rosto esfola-se contra a rocha de um penhasco, enquanto o corpo mergulha para o nada.

A morte, no giallo, é sempre um choque estético.

Wellington Sari

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