Phoenix
Phoenix (2014), de Christian Petzold
Christian Petzold desenvolve uma carreira irregular, mas que nos surpreende de vez em quando com seus achados dramáticos. Em seus melhores momentos, Gespenster (2005) e Yella (2007), consegue desenvolver dramas pesados dentro de uma estrutura bem rígida, mas que comporta alguns voos audaciosos, facilitados pela base sólida dos roteiros que constroi com Harun Farocki e por um bom trabalho com os atores. Seus dois filmes anteriores, Jericho (2010) e Barbara (2012), são arremedos de um estilo que caminha na corda bamba, muito próximo do academicismo. É chegada a hora da recuperação.
Phoenix mostra sua musa, Nina Hoss, como Nelly, uma sobrevivente dos campos de concentração que teve o rosto todo desfigurado e foi tida como morta por todos em sua órbita. Numa espécie de milagre chamado cirurgia plástica, após o milagre de sua sobrevivência, tem o rosto todo reconstruído. Ela volta à sociedade, numa Berlin em ruínas, e procura tomar sua vida de volta. A vida, quer dizer, Johnny, o cara meio escroque com quem se casou. Ao encontrar esse homem numa região noturna da cidade, uma região meio barra pesada, ele não a reconhece, mas percebe a semelhança com sua antiga esposa e procura construir toda uma farsa, fazendo a verdadeira Nelly tomar o lugar de uma falsa Nelly para poderem pegar o dinheiro que pertence à verdadeira Nelly, mas está preso por questões burocráticas. Um Corpo Que Cai revivido, décadas depois, na Berlin do pós-guerra.
Só que vemos tudo pelo ponto de vista de Nelly, não de seu “inventor”, como no filme de Hitchcock. Com ela sofremos as agruras de não ter mais uma vida, não pertencer a lugar algum e não ter pertences. Sua companheira, que sabe do caráter duvidoso de Johnny e alerta Nelly, sem ser ouvida, acaba se suicidando de desgosto e despeito. Parece amar Nelly mais do que sua própria vida. Terá sido estuprada por Johnny? O que tanto ela esconde, afinal?
Formalmente controlado e certinho como todos os filmes de Petzold, Phoenix vai crescendo aos poucos, envolvendo-nos no beco sem saída de Nelly e fazendo com que fiquemos apreensivos com o desenrolar da trama. Há certas incongruências que incomodam: Johnny não estranha o fato de uma mulher procurá-lo, sabendo de um nome que ele só usava no passado (agora ele é chamado de Johannes); o suicídio não desperta a comoção que deveria da parte de Nelly, como se ela estivesse amortecida pelo que passou nos campos de concentração (mas então por que mostrá-la super sensível às palavras de seu marido?); o rosto de Nina Hoss, por sinal, fica sempre entre o careteiro à Mr. Sardonicus (lembram-se desse belo filme do azarão William Castle?) e o histrionismo de Daniel Day-Lewis em Meu Pé Esquerdo; por fim, sua própria relação com a farsa arquitetada é mais que ambígua, é bizarra mesmo. Ela parece, de fato, uma morta-viva. O clima de estranheza, contudo, é ressaltado por tudo isso, e o desfecho musical tem um grande impacto graças a essa bizarrice que se recusa a ser represada pela forma quase acadêmica que Petzold gosta de adotar.
Sérgio Alpendre
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