Enquanto Somos Jovens
Enquanto Somos Jovens (While We’re Young, 2015), de Noah Baumbach
O maior chavão crítico que se pode dizer sobre Enquanto Somos Jovens é também o mais verdadeiro: o filme é tão superficial quanto o comportamento hipster que pretende criticar. Difícil ir muito mais fundo do que isso (o próprio filme não permite). Resta-nos, então, pelo menos tentar demonstrar como isso ocorre.
De saída, notemos que este é um filme que levou a ideia de hipster extremamente a sério, de uma forma tal que, em seu próprio esforço para denunciar a inautenticidade do hipsterismo, acaba por se colocar no mesmo patamar deste. Como dois polos tão perfeitos que terminam por se igualar numa estrutura binária de dependência mútua: se nós (mais velhos) somos “autênticos”, só podemos sê-lo em relação a eles, os não-autênticos. A principal solução de seu roteiro do filme é grosseira: identificar o hipsterismo ao mau-caratismo puro e simples, com a vilanização do personagem de Adam Driver. Isso basta para descartarmos qualquer expectativa de um estudo — mínimo que seja —comportamental ou geracional da parte do filme.
Baumbach segue como um cineasta de filmes que trabalham na base da identificação com quem circula num meio jovem e “artístico”. Mas impressiona como, após mais de cinco longas, ele permanece incapaz de criar um momento sequer do que se poderia chamar de verdadeira mise en scène: nem um momento em que a encenação escave algo além da superfície, que ultrapasse a mera “leitura” do roteiro, captando o respiro de um ator ou qualquer coisa de não óbvio na imagem.
Sabemos agora que o diretor é razoavelmente bem-instruído sobre documentarismo e que conhece o par Blow-up/Blow-out (parodiados no “achado” do sorvete na imagem). Mas todo esse arsenal cinéfilo se limita a estar na ponta da língua do filme. Ele jamais ultrapassa a mera referência, a mera notação dentro de uma estrutura ágil em que cada-fala-puxa-uma-outra, cada-imagem-puxa-uma-outra. As citações de Baumbach sobre cinema (Antonioni, De Palma) são, precisamente, tão superficiais quanto aquelas que um hipster hipotético faria: exatamente pelo fato de serem apenas citações, limitadas ao nível do roteiro, sem serem incorporadas de fato à mise en scène.
Fica a impressão de que a adesão do filme à comédia deixa ainda mais clara as limitações de Baumbach como diretor. O roteiro é repleto de comentários sociais espertinhos que escorrem pelo ralo quando transformados em imagens: gags que até teriam seu interesse — por exemplo, Naomi Watts se dando conta de que as amigas com filhos se infantilizam, se tornam crianças — passam batidas na velocidade do filme. Pois ao filme interessa mais apontar e notar as coisas do que desenvolvê-las: jovens usando máquinas de escrever, fabricando sua própria mobília, seu próprio sorvete, tudo o que ouvimos vagamente falar sobre hipsterismo semana passada no Facebook está lá. Mas o que dizer das soluções de mise en scène? Elas são, novamente, inócuas — montagem paralela trivial dos hábitos de Ben Stiller e Adam Driver (academia x basquete na quadra com a rapeize, VHS x tablets etc.).
Tudo o que dissemos aqui de certa forma já era dito, também aqui na Interlúdio, sobre Frances Ha. Cobrar soluções de mise en scène em Baumbach, bater e tornar a bater nesta mesma tecla, começa a soar como um trabalho sem efeito e sem sentido. Se algum dia tivemos alguma expectativa de que Baumbach pudesse se tornar um diretor de fato, esse dia nos parece, hoje, cada vez mais longe.
Calac Nogueira
© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br