Jurassic World
Jurassic World – O Mundo dos Dinossauros (Jurassic World, 2015), de Colin Trevorrow
O T. Rex de Spielberg sempre esteve muito mais próximo de Godzilla do que de Darwin. Jurassic Park, em 1993, reconstruía o mito Frankstein em escala Disneylândia, na forma de um filme-parque, um filme autoconsciente que fazia do merchandise objeto de cena, figurino e prop. Duas décadas, quando se trata de Hollywood, já são o bastante para transformar em fóssil qualquer gigante da indústria e a mágica da ILM ao conjurar Brontossauros pela primeira vez durante a era Bill Clinton já não causa tanto deslumbre nas plateias de multiplex. A conversão do longa-metragem em 3D, em 2013, já apontava as praças para onde a franquia poderia crescer.
Se era inevitável que um quarto filme fosse produzido, só restava esperar que o Spielberg touch fosse capaz de garantir alguma inteligência ao blockbuster fadado a ser um reboot disfarçado da obra original. Touchè: Jurassic World refaz Jurassic Park seguindo a única via possível que é ao mesmo tempo intelectualmente honesta e coerente, que é a da autoconsciência, ao expor, sem qualquer pudor, as regras do jogo.
E quais são as regras do jogo? São as de que continuações devem proporcionar sempre mais. Mais emoção, mais efeitos especiais e, no caso dos dinossauros, mais dentes. Inevitavelmente há algo de patético nessa anabolização do corpo original e o filme não deixa de chamar atenção ao fato. O mundo corporativo, sintetizado na figura do indiano que comanda o parque – e que canaliza de maneira bastante explicita o pensamento que dita as regras em Hollywood — é constantemente exposto ao ridículo, graças às suas ideias infantilóides de criar dinossauros que mudam de cor, como um brinquedo da Hasbro. Como não pensar em Transformers, ou Vingadores, ou mesmo Velozes e Furiosos, em que cada número acrescido ao título parece representar o miligrama de esteroides injetados no filme, resultando em heróis e vilões cada vez maiores e presentes em maior quantidade no cartaz de divulgação? (Não basta Vin Diesel, é necessário The Rock; não basta o deus do trovão, é necessário o homem de ferro, o homem formiga, o homem aranha etc.). Talvez seja exatamente o que o público queira, e o homem corporativo não deixa de fazer disso uma desculpa. Tudo em nome dos investidores. Inclusive, o nome. O comentário sobre Pepsissauros, Sansungssauros e o rebatizar dos estádios com o nome das companhias que injetam dinheiro no investimento é sagaz.
Jurassic World não esconde as regras do jogo, embora não deixe de jogá-lo. O novo dinossauro, Indominus Rex, refaz o papel do Tiranossauro em 1993. Os Velociraptors são ainda mais inteligentes, os Pterodáctilos mais ferozes e o dinossauro aquático marca o crossover com o Sea World (assim como o longa zomba do sentimento nostálgico por um lado e pisca para essa mesma nostalgia pelo outro). Mas, se falta a inventividade visual de Spielberg, há momentos de inspiração por parte de Colin Trevorrow – alguns deles alavancados pelo avanço da tecnologia desde o início dos anos 90. Uma sequência que reúne ambas é a do ataque ao globo de vidro por parte do Indominus. O próprio objeto em que estão os personagens juvenis já é uma declaração de princípios sobre a possibilidade de se construir uma cena de ação baseada largamente em CGI em plena luz do dia. Nos anos 90, era bastante comum que boa parte das sequências envolvendo computação gráfica e animatrônica fossem situadas à noite e na chuva (os dois Jurassic e o Godzilla de Roland Emerich são dois exemplos ligeiros). Aqui troca-se a lama e o vidro embaçado pelo globo cristalino que deixa tudo ver e o mágico industrial já não precisa de cortina, fumaça e espelhos. É claro que tal limpidez teria tudo para resultar em algo asséptico e inofensivo, não fosse o habilidoso trabalho com a escala e o desenho de som.
O globo de cristal, além da sua transparência, emana fragilidade, não apenas pela sua composição, mas pelo tamanho em relação à boca do Indominus. A sensação de destruição é palpável, a matéria é concreta, ao contrário do padrão Vingadores/Transformers, em que o concreto tem aspecto de isopor. O som do vidro lentamente sendo estilhaçado pela criatura corporativa só não é menos arrebatador do que o som de outro monstro tecnológico filho da Grande Corporação: o celular. Quando a bola de vidro é virada de ponta cabeça pela mandíbula do dinossauro, o telefone caí do bolso de um dos adolescentes e repousa no chão/teto, até o modo vibra call emitir um som grave, gutural, bestial. Em Encurralado era o caminhão que, ao cair do penhasco e explodir no chão, gritava como um dinossauro. A ameaça tecnológica dos dias de hoje, a ameaça que nos persegue, é bem menor e cabe no bolso.
Outro momento de brilho se dá graças à necessidade do roteiro em guardar uma de suas surpresas para o terceiro ato. A cena na ponte, em que o adolescente está mais preocupado com as belas garotas do que com o espetáculo da fera é, ao mesmo tempo, uma sagaz observação sobre adolescência (que outro espetáculo há para se ver, quando se tem 15 anos, além de belas garotas?) e uma solução visual bastante esperta para não se deixar ver um dos heróis do filme. Com toda a extensão do quadro ocupada por cabeças, tentamos esticar o pescoço em busca de um vislumbre do T. Rex. Trata-se de uma arte perdida no blockbuster, a de ocultar. Da necessidade de roteiro, passa-se à sede pela imagem, provocada por uma cena que a olhos mais desatentos pode parecer ter como objetivo reiterar a psicologia de um dos personagens (vale destacar o efeito psicológico provocado pelo bom uso do 3D nessa cena; ao jogar com o primeiro e o terceiro plano e enquadrar as cabeças de costas, ficamos com dúvidas se as pessoas de costas mais próximas à câmera estão realmente na tela ou são pessoas sentadas, de fato, no cinema).
Que o T. Rex assuma o papel de herói ao final de Jurassic World é só uma consequência natural presente desde a gênese da série. Godzilla também era muito carismático para continuar pisoteando prédios e pessoas. O desenvolvimento lógico (da indústria) para o filme de monstro é justamente esse, o de começar a enfrentar outros tipos de monstros, ainda mais exóticos. Enquanto houver investidores, haverá monstros.
Wellington Sari
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