Últimas Conversas
Últimas Conversas (2015), de Eduardo Coutinho
Devo adiantar que não sou admirador entusiasmado de Eduardo Coutinho. Admiro alguns de seus filmes (Cabra Marcado Para Morrer, O Fim e o Princípio, Moscou), acho outros tantos valiosos, mas superestimados, com suas armadilhas pega-críticos (Santo Forte, Jogo de Cena) ou a insistência em provocar o choro dos entrevistados (Edifício Master e As Canções, seu pior filme, provavelmente). Não vi o badalado Um Dia na Vida, e não entendo como um filme que mostra só programas ruins de TV pode ser bom, mas dou um pequeno voto de crédito à ideia, que me parece inicialmente absurda, de que tudo aquilo, visto no cinema, adquire um sentido diferente.
Dito isso, é difícil sair ileso de Últimas Conversas, longa finalizado por João Moreira Salles e lançado 15 meses após sua trágica morte. No início vemos o próprio diretor dizendo-se num caminho equivocado, com birra dos adolescentes e temoroso de estar fazendo um fracasso. Isso era mesmo para entrar no corte final ou foi uma audácia de Salles ? (audácia, vale dizer, bem de acordo com o que fazia Coutinho em seus melhores momentos). Seria um jogo de cena do diretor, uma estratégia autocrítica engendrada por sua mente privilegiada? (não há ironia aqui; realmente acho que Coutinho foi um homem muito inteligente). Fica o mistério. Depois de sua introdução, os adolescentes entram e se mostram extremamente valiosos, tanto na fotogenia como na experiência de vida. Despertam nosso lado paternal (ou fraternal, para quem é mais jovem). São a matéria-prima de um possível belo filme, que Coutinho não enxerga, ou finge não enxergar.
Se em O Fim e o Princípio Coutinho foi progressivamente deixando de lado os jovens e se concentrando nos velhos, a quem lhe pudesse indicar um caminho para os últimos anos (um manual de como envelhecer), neste último ele persegue a juventude. Tanto que termina o filme com uma adorável menininha de seis anos, que ainda não carrega dentro de si as marcas da vida e do mundo. Ainda não sofreu de verdade, como os adolescentes entrevistados que sobraram na montagem final, vítimas da condição social e de um país que ainda maltrata seus cidadãos. Essa opção de encerramento nos deixa curiosos. É como se o diretor estivesse fugindo da desilusão e do desencanto que encontrou inadvertidamente nos adolescentes para algo que indicasse o futuro, algo que ele esperava encontrar nos adolescentes em um grau mais elevado do que o encontrado. A menininha o rejuvenesce. Suas perguntas são mais bobas, menos preocupadas com um possível efeito que possa causar. Dá para perceber sua leveza, enquanto nas outras entrevistas percebemos, de leve, uma certa tensão, principalmente quando uma jovem sugere que foi assediada sexualmente pelo padastro. O choro quase contido dessa jovem, aliás, é um dos momentos marcantes do filme.
Por isso Últimas Conversas é simples só na aparência: uma sala vazia. Parece uma sala de aula de escola pública. Na parede ao lado da porta havia algo que foi retirado, pois a mancha entrega. Talvez um calendário. Não há interruptores, o que é estranho. As luzes se acendem por barbante, como antigamente? Ou trata-se de um comentário sobre a falta de perspectiva (de luz) para o jovem de hoje, assim como a sala vazia poderia ser uma metáfora da evasão escolar? Os adolescentes entram e sentam numa cadeira no meio da sala. Percebemos que a equipe está atrás de Coutinho, e é ele mesmo que entrevista os adolescentes, mostrando parte de seu corpo. Há um contraste entre sua voz rouca, cheia de marcas do cigarro e da vida, e as vozes e entonações dos jovens, com marcas típicas da vida sofrida, de um futuro incerto e esperançoso pela frente. Esse contraste não é maior do que aquele que rege todo o filme: o contraste entre a percepção externada pelo diretor e o material que tinha em mãos. Entre um e outro, temos um filme tortuoso, que encerra sua carreira dignamente, e de maneira desconcertante.
Sérgio Alpendre
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