Ano VII

Nosso cinema

sábado mai 2, 2015

mercadodenoticias

Nosso cinema

Por Sindoval Aguiar e Luiz Rosemberg Filho

“ Matar um homem para defender uma ideia não é defender uma ideia. É matar um homem.”

                                                  Godard em “Nossa Música

  QUE ANIMAL SERÁ ESTE DE CABEÇA, TRONCO E MEMBROS, E QUE CONTINUA A FAZER CINEMA? DE SONHOS. DESEJOS, IMAGINAÇÃO E REALIDADES. E QUE POUCO FALA DE ESPERANÇA?

                                                   Para:  TODAS AS GERAÇÕES

 

E por que será que em tudo isso reina a ausência de uma metodologia artística? A da poesia, da melodia, a do refletir de alguma coisa mais individual ou coletiva e em movimentos, em busca de um espaço? O que estamos perdendo? Exilados? Não basta a imaginação, imagens, uma representação sem o que está próximo de nós, tão próximo como o distante. Em casa, na rua, nas guerras, nos terrorismos. Individual e coletivo, o de Estados. Ninguém é mais inocente. Individual, de grupos, de Estados; o terrorismo é abominável e indefensável. Independente de causas e razões e de metodologias. Porque nega a arte, os movimentos e a construção do espaço como significação e todos os sentidos do devir.

Este tudo/nada do devir como transfiguração. E como o limite máximo do poder em sua extremunção e culto da violência, sem sublimação, afirmando tudo como uma negação do humano. A concepção de uma obra de arte contém o olho e o olhar, o sim e o não como uma máscara também, a de evitar o olhar que recusamos como o do mercado fetiche a seduzir o desejo para a necessidade da exploração sem paixão – hediondez e perplexidades! Na morbidez da multidão construída, banalizada e entorpecida. Tóxico e loucura desprovidos do encanto, visão do paraíso e da aproximação. Ethos e pathos, metodologia da arte! Onde reina tudo. E sem qualquer domínio. Só o da imaginação. E este imenso desamor a nós mesmos tem sido o nosso cativeiro. E sem lugar.

No verso de um poema, de uma canção, no deserto de um museu ou de uma biblioteca. Para um olhar que vê e desvê, para o construir e desconstruir tornando a arte metodológica e individual, mesmo que sirva a outros olhares, a outros gestos e desgostos. Uma riqueza só possível no cinema, na imaginação da imagem em nuvens diluídas, universos labirínticos onde ninguém se perde, se achando. O que faz a arte ser o que não parece ser. Esta razão tão especial e nunca explicada. E que a arte de Vico nos dá uma pista através da história e da organização humana de poder e crenças, de pensamentos e imaginação para um leve tatear. Uma abertura para o devir e a perda dos medos. Este vigiar e punir de Foucault a que chegamos, como o mais bárbaro dos terrorismos; o de Estado que tudo justifica sem arte, filosofia, poesia, história ou aproximações. Pelo prazer do extermínio e da concentração sem ethos e pathos; o de ANTIGONA, acima de tiranias, de leis e de Estados, ao se aproximarem da máxima execração  por enterrar o irmão Polinices, preferindo a morte na defesa de um direito humano e contra a interdição de Creonte. Um humano e, mais ainda, um irmão, não podia ser entregue âs aves de rapina ao lhe ser negado o enterro, como uma razão de Estado: Tebas!

O cinema brasileiro foi sempre em nós, uma metodologia, uma construção do devir, do que nunca somos, do que pensamos ser. Pelo menos uma idéia! Como gênese, formação e cultura. Com uma história onde tudo se cria, se ganha, se perde e se transforma desbloqueando o devir, esse vigiar e punir de nossa eternidade tão jovem e tão enigmática. De mistérios e labirintos. Sem transformação e totalmente virtualizada como dogma, fetiche e droga, pelo desamor de nós mesmos. Mas o nosso cinema resiste como o milho mexicano em seu labirinto da solidão, o dos pequenos agricultores. Nosso cinema pode oscilar de Humberto Mauro a um Pasolini, no sentido de nossa metodologia mais primitiva e mais tribal, e avançar a qualquer escala elevada, criativa, metafórica e alegórica: Welles, Bergman, Visconti, Antonioni, Kobayashi e tantos outros e ultrapassar as poltronas/camas de motel banalizantes com pipocas e Coca-Colas, antes de um delírio final de nossa linguagem, de nossa história e de nosso processo criativo, rumo ao cativeiro.

E nosso mais recente grande exemplo é o belo filme de Jorge Furtado, O Mercado de Notícias, que já comentamos em critica também recente. O que não podemos perder é a metodologia que já temos de origem: na festa. De olhar e sedução. Desejos. Criatividade. Resistência e ruptura. Movimentos no tempo e na história, já ocupando espaços. Como indivíduo, identidade e aproximação. Não somos nem Europeus, nem do Norte. Somos os do abaixo dos trópicos. Dos caminhos e descaminhos. Adaptados às nossas origens, às nossas vidas, aos costumes e descostumes. Atentos a tantos idos. De  abril ou março. Já estamos sendo. Mesmo que seja para um futuro que dure muito tempo! Nossa arte e nossa história não podem durar só com cada um de nós. Em nosso amor e desamor. Este criador de abismos, liberdade e cativeiros!

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