Ano VII

Grandes Olhos

quinta-feira fev 5, 2015

Big-Eyes-Movie

Grandes Olhos (Big Eyes, 2014), de Tim Burton

Desde Peixe Grande, lançado há mais de uma década, Tim Burton pode, sem quaisquer malabarismos argumentativos, ser acusado de ter se tornado um daqueles diretores que parecem cópias desbotadas deles mesmos. Muito além daquilo que seu nome pode trazer à mente (“um filme de Tim Burton”, diz o cartaz) e apesar desta cinebiografia ter sido escrita por dois especialistas do gênero, Scott Alexander e Larry Karaszewski (responsáveis pelo ótimo Ed Wood), Grandes Olhos é a típica produção da The Weinstein Company voltada às premiações de início de ano.

Como de costume nestes casos, atores respeitados interpretam personagens complexos em uma história edificante de luta contra as adversidades – ponto extra: baseada em fatos reais.

Amy Adams é Margaret Keane, uma pintora amadora que abandona o marido e foge com a filha para San Francisco, em 1958. Lá, tentando vender seus retratos de crianças com os tais olhos esbugalhados, conhece Walter (interpretado pelo cada vez mais caricato Christoph Waltz), um artista frustrado cujo escasso talento com um pincel à mão é inversamente proporcional à sua capacidade comercial. Os dois se casam e o que a princípio surge como uma parceria entre artista-empresário, logo revela-se uma enorme farsa, com o picareta levando o crédito pelas telas de sua esposa.

Eis o terreno para aquela velha exploração acerca da injustiça de gênero no final dos anos cinquenta. Também em pauta, uma ligeiríssima discussão do que seria uma arte voltada à crítica e aos connoisseurs, em contrapartida com o gosto do público em geral – o filme abre com uma frase atribuída a Andy Warhol, na qual ele afirma que uma obra tão amada como a de Keane deve ter algum mérito.

Se à questão do valor artístico Burton reserva apenas um esboço, naquela sobre a emancipação feminina ele circulará ao redor de obviedades, lembrando que mesmo com um intérprete mais versátil à disposição (a sempre talentosa Amy Adams), dramas domésticos jamais foram o seu forte.

À vista disto, nada daquilo que espera-se admirar em um filme com a sua assinatura se faz presente – a saber, um afinado tom fabular e imagens insólitas de beleza inesperada. Nem de longe, infelizmente.

Pelo contrário, o cineasta esteriliza momentos que poderiam ser exibidos com grande efeito, uma vez que partem de seus típicos devaneios ficcionais. Pensemos no retrato melancólico da vida no subúrbio dos Estados Unidos, por trás de sua artificial harmonia; ou, sobretudo, na clausura a qual Margaret se sujeita, trancafiada em sótãos transformados em ateliês: nestes quartos claustrofóbicos, ela é sufocada pelo forte odor de tinta. Através de pequenas janelas, fachos de luz iluminam as obras que a rodeiam. Em breve, elas trarão reconhecimento não a ela, mas ao seu marido.

Tal mote – o afastamento social e mental do protagonista – é caro à filmografia de Burton, sendo o centro gravitacional da maioria de seus melhores trabalhos. É aqui, em seu cerne, que se compõe o típico personagem burtoniano: alguém angustiado e solitário, à parte do mundo exterior, vendo tudo ao seu redor sob uma ótica amedrontada.

Vincent, Beetlejuice, Edward, Batman, o cavaleiro sem cabeça, Sweeney Todd, Willy Wonka etc. Todos, em maior ou menor grau, encaixam-se na descrição acima. E Margaret Keane também. Entretanto, à semelhança de suas telas, quando transformadas em produtos como cartões-postais e capas para cadernos, em Grandes Olhos a vemos numa reprodução indistinta. E se nos surpreendemos nos créditos inicias, ao descobrir que o que pensávamos ser um de seus quadros é, na verdade, um pôster numa copiadora industrial, é com esta sensação que somos deixados ao final de cada novo filme assinado Tim Burton: um autor que fez de suas obsessões uma aborrecida casamata – ou, se preferir, uma conveniente e lucrativa marca registrada.

Bruno Cursini

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