Hollywood’14
Arrasados: Hollywood ´14
Por Wellington Sari
Ao olhar para o ano de 2014, o que se encontra no quarteirão dos blockbusters? Primeiramente, números negativos. Ano passado Hollywood colheu a pior receita em bilheteria desde 2005 e dos últimos 20 anos, se ajustada a inflação, segundo artigo publicado no Digital Cinema Report. A intenção aqui não olhar exclusivamente para os motivos presentes fora da sala de cinema, que levam a esta queda e sim também para outro, aquele que só se enxerga olhando para a tela, embora o gancho da relação entre baixa bilheteria em 2005 e 2014 seja suficientemente afiado.
A ausência quase absoluta de “autores” (ou marcas) na lista de blockbusters do ano passado é algo bastante curioso. Se em 2005 Steven Spielberg (dois filmes), George Lucas, Peter Jackson e Tim Burton colocaram longas-metragens na praça, em 2014 os principais lançamentos ficaram por conta de Patrick Hughes, Anthony Russo e Joe Russo, Jonathan Liebesman, Neil Burger. Nomes de maior peso, como Brian Singer e Christopher Nolan são minoria na tripulação do transatlântico hollywoodiano. Michael Bay, um caso a parte, esteve nas telas, também. Caso a parte pelo fato de que sem dúvida o diretor/produtor é uma marca de peso, que obtém sempre sucessos de bilheteria com a série de longas sobre robôs enormes. Tal sucesso lhe garantiu alguma influência e, como será mencionado logo adiante, ajudou a moldar um tipo de padrão que ainda é seguido em Hollywood. É possível enxergar uma “estética Michael Bay”; ela existe e assola filmes de diretores muito mais talentosos, como Peter Berg (Battleship) e Guilhermo Del Toro (Círculo De Fogo). As necessidades da indústria, é preciso lembrar, está sempre acima dos anseios estéticos dos indivíduos que a formam, que a levam a diante. Dentro desse jogo perverso, Bay produz lixo reconhecível, lixo com estampa. De alguma maneira, é uma exceção: transforma tudo o que toca em impessoal. Para quem não é aficionado, é quase impossível distinguir um robô gigante do outro.
No passado recentíssimo, o blockbuster foi terreno fértil para a criação de projetos pessoais, tal qual a segunda trilogia de Star Wars, com figuras como James Cameron e, evidentemente, Spielberg, por exemplo, ou, para traduções relativamente livres de best-sellers de fantasia, que, para além de fragilidades literárias, ao menos serviam como fonte para a criação de um universo particular e reconhecível (Senhor dos Anéis e Harry Potter). Ano passado, o terreno pareceu infértil. É curioso notar como o retorno ao universo de J.R.R Tolkien, por Peter Jackson não obteve o mesmo impacto da trilogia anterior, tampouco a relativa unanimidade entre os fãs (basta uma rápida pesquisa pela internet para encontrar entusiastas dos longas anteriores reclamando da decisão do diretor neozelandês em transformar um livro em três filmes).
Tal característica, a da particularidade, é praticamente ausente no conjunto das grandes produções de 2014. A construção visual genérica, acinzentada, metalizada e a falta de clareza das cenas de ação, certamente um efeito colateral do sucesso de Transformers, com seu gigantismo deformado, suas criaturas de linhas caóticas e setpieces em que predomina o acumulo de sons, de CGI, de clímax – o equivalente cinematográfico ao programa de TV sobre acumuladores, com suas casas repletas de entulho – parece ser o padrão estético atual. Não que a sequência inicial de Star Wars, Episódio III – a Vingança dos Sith, para resgatar 2005, seja minimalista. Cada plano é povoado por centenas de naves, sons, cores, luzes piscantes, em uma articulação herege entre entretenimento puro e preceitos do cinema de vanguarda. Há um tremendo senso de organização por parte de Lucas, um tremendo senso de propósito, em que cada movimento parece guiar olho por um determinado caminho, mesmo que cada grupo na tela conte uma micro-narrativa, como numa pintura de Bosch. É isso o que transforma o exagero em exuberância. Não existe qualquer exuberância em Tartarugas Ninja. A pobreza visual da safra ´14 é tamanha que não seria surpresa se houver qualquer tipo de paródia na cerimônia do Oscar, em fevereiro.
No campo dos “autores”, se o cenário não é assim tão alarmante, está longe de ser incrível – maquete em escala reduzidíssima de Acrópole. A viagem espacial de Nolan esbarra na falta de talento que impede o projeto de ser realmente inventivo – encontra-se muito mais inovação técnica em Guerra Dos Mundos e no próprio Star Wars. Já o novo X-Men é, de fato, uma pequena pepita, que apesar de não ter o brilho necessário para deslumbrar plenamente, é chamativa o suficiente para posicioná-lo como o blockbuster mais interessante de 2014.
A safra ´14 poderia até colocar em crise análises sob o paradigma do high concept (superficialmente falando, termo para designar narrativas cinematográficas que se desdobram em outras mídias ou formas de marketing). Alguns teóricos, como Justin Wyatt, apontam que uma das características comuns do high concept é necessidade de se criar ícones a fim de se tornarem ganchos para os citados desdobramentos. Ainda que as lojas de brinquedos tenham ficado entupidas de action figures das tartarugas e do Capitão América, nem de longe se pôde observar o frenesi cultural, que extrapolam as salas de cinema e chegam às filas das bilheterias, com pessoas fantasiadas de Obi-Wan Kenobi ou Severo Snape. O sucesso da trilha sonora de Guardiões Da Galáxia o coloca em posição de fenômeno pop, sem dúvida alguma (da mesma maneira que o lançamento ostensivo de Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 no Brasil, pela Paris Filmes alavanca o longa a fenômeno político e econômico). Só que mesmo como produtos do high concept ambos não parecem necessariamente fortes o suficientes para se manter como filmes memoráveis. A confecção de ícones, portanto, tem efeito limitado ao período de lançamento. Qual é a grande cena de Jogos Vorazes?
A indústria está no limiar de uma grande mudança no sistema de distribuição. Os serviços de VOD, definitivamente estabelecidos, são o tipo de ameaça que foi, para o cinema, a ameaça provocada pela TV, nos anos 50. A diferença é que, mais de meio século depois, o cinema é uma arte em plena decadência e a necessidade por imagens, natural do ser humano, é saciada em outras fontes. Tais mudanças acontecerão em breve. Resta saber se antes ou depois de um evento chave para definir a ruptura ou a continuidade do modelo de produção de blockbusters atual: o lançamento do primeiro filme da nova trilogia de Star Wars e os spin-offs consequentes. O sucesso ou o fracasso deste projeto poderá dar novo fôlego ou encerrar o ciclo iniciado com Tubarão e expandido e aperfeiçoado por Lucas em 1977. Resta aguardar para saber como o mundo, afundado na Androidmania, receberá, 38 anos depois, o galaxybuster.
O império de Lucas, adquirido por um tirano ainda mais voraz, poderá ser protagonista de mudanças, mas há outros atores no palco. Logo James Cameron reclamará o trono. Spielberg deve voltar sem demora. A história se repetirá, em um golpe irônico do destino, e os estúdios serão salvos, mais uma vez, pelos autores? Está nas mãos deles, os autores-dinossauros (que em alguns momentos operam por intermédio de autômatos mais jovens, como J.J Abrahms), salvar o grande museu de novidades que é Hollywood.
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