Ano VII

Melhores filmes de 2014

segunda-feira jan 26, 2015
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Era Uma Vez em Nova York, de James Gray

Breves observações sobre o ano que se encerrou:

1. A impressão inicial foi de um ano horrendo no circuito comercial. Olhando com mais cuidado, vemos que o ano foi apenas medíocre, como haviam sido os últimos cinco ou seis anos. A impressão inicial, contudo, nos motivou a fazer algo que devíamos ter feito há mais tempo: listas individuais de melhores filmes entre os não estreados no Brasil. Entendemos que a maneira de se ver filmes mudou muito, e hoje cada vez menos os cinéfilos vão ao cinema para acompanhar as estreias. Ficam em casa, muitas vezes, vendo o que o circuito deixou de passar, filmes em streaming e outras experiências solitárias. Mantivemos a lista do circuito por acreditar que é necessário limitar o grupo de filmes elegíveis. Obviamente não aprovamos a escolha do circuito, mas não é possível, ainda, criarmos nossos próprios limites, pois nem todos os votantes acompanham festivais (e mesmo os que acompanham, podem, eventualmente, serem prejudicados pela exigência de ineditismo da Mostra SP, por exemplo).

2. Em 2014, o fenômeno das reações extremadas absurdas aconteceu novamente. Depois de O Som ao Redor, desta vez aconteceu com um filme argentino: Relatos Selvagens não me parece um filme digno de merecer essas reações. É exagerado em muitos momentos, cheio de firulas em muitos deles, mas não é para ser jogado na vala comum do embate Brasil x Argentina. Os extremistas, com suas adorações ou ódios cegos, perdem o exercício em cinismo realizado ora com desmesura, ora com talento. Relatos Selvagens não pode ser comparado a O Som ao Redor por dois motivos principais (e um punhado de motivos secundários): a) é razoavelmente pensado na câmera, ao contrário do filme brasileiro, que aposta mais na montagem para construir uma unidade; b) tem o elenco mais uniforme, igual, equilibrado.

3. O ano apontou ainda um problema para o cinema autoral. Vejam a nossa lista. Com a exceção de James Gray e daqueles que ainda não podem ser chamados de autor por não ter um corpo sólido de filmes (Wahrman e Mira), todos os outros autores presentes na lista são veteranos, um já falecido (Resnais), um com 106 anos (Oliveira), dois diretores com mais de 80 anos (Eastwood) ou quase (Allen), dois com mais de 60 anos (Ferrara e Garrel) e dois cinquentões (Pahn e Ming-Liang). A renovação, então, está representada por James Gray, diretor de 45 anos. Existe algum autor, com pelo menos três filmes muito fortes e menos de 40 anos? Quem pensou em Xavier Dolan, essa invenção da crítica francesa, errou feio.

4. Nos blockbusters, a não ser para a grande porção da crítica que vive da espera por longas com super-heróis, a coisa está ainda pior. A vida inteligente é cada vez mais exceção em Hollywood. Nos anos 80, ou mesmo nos anos 90, um filme como O Abutre (com recepção variada na Interlúdio) seria corriqueiro. Hoje, a meu ver, é um alento dentro da produção americana.

Mais observações estão no material que acompanha esta edição dos Melhores Filmes de 2014. Boa leitura.

(Sérgio Alpendre)

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1. Era Uma Vez em Nova York (James Gray)

A Nova York sépia de James Gray, com suas luzes amarelas, que quase nunca são suficientemente capazes de limar as sombras do plano, não é exatamente convidativa. A primeira sequência já expõe tal fato de maneira exemplar: a busca de um sonho ou a fuga em busca de refúgio é, em realidade, inalcançável. Tão inalcançável quanto a Estátua da Liberdade, que um zoom out vai nos afastando lentamente dela, até enquadrar as costas do personagem Joaquim Phoenix, este provavelmente um imigrante, assim como a jovem interpretada por Marion Cotillard, que ao desembarcar do navio, encontra uma estação apinhada de gente vestida de preto, iluminada não pelo amarelo ouro da riqueza e sim pelo amarelo hepatite da degradação.

Brilhante apropriação de elementos do melodrama e incisivo comentário social sobre a América de ontem, de hoje e, possivelmente, do futuro: Era Uma Vez em Nova York e nos exibe um lugar construído por imigrantes, que mal os tolera. Dualidades estão presentes durante toda a projeção, nenhuma delas tão intrigantes quanto o plano final, seus reflexos, sua divisão minuciosa e suas idas e vindas dos personagens. Imagem memorável, em um filme repleto delas. (Wellington Sari)

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2. Jersey Boys – Em Busca da Música (Clint Eastwood)

De todos os méritos presentes em Jersey Boys, um dos mais interessantes é o de servir como uma pá para enterrar um dos grandes clichês da crítica cinematográfica: a de que Clint Eastwood é o último dos cineastas clássicos. Olhando para a câmera, os quatro “Ferris Bueller” de Nova Jérsei se mostram maiores do que a vida, maiores do que a própria história – a deles mesmos e a da música americana.

Mais do que um olhar sobre determinada época nos EUA, Eastwood volta-se, sem cinismo ou ambiguidade, ao espetáculo em si: à própria peça da Brodway que serviu de base para o filme, à cruel e brilhante indústria fonográfica dos anos 60 e, à storytelling per se e, claro, à música pop, essa instituição que consegue transformar dor profunda em refrão fácil e melodia deliciosa.  As canções são filmadas em sua totalidade, com respeito e, acima de tudo, jubilo. O mais fascinante é que qualquer traço de nostalgia é completamente apagado. Velhice, reflexão: que se dane. É como se a História estivesse sendo contada diante dos nossos olhos.  (Wellington Sari)

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3. O Gebo e a Sombra (Manoel de Oliveira)

Sob o hui clos de um modesto cômodo, o escasso número de personagens e uma aparente intriga de desarranjo familiar Manoel de Oliveira desvela um profundo conto moral em seu O Gebo e a Sombra. A simplicidade e frontalidade das palavras e dos discursos de suas personagens são organizadas sob uma mise en scène modulada essencialmente pela luz: enquanto seus desenhos de sombra persistem ainda é possível a coexistência e o confronto de concepções divergentes acerca da vida, sua chegada e invasão abrupta no impressionante plano final apontam para uma aniquilação, ou melhor, suposta aquietação do mistério. (Guilherme Savioli)

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4. Bem-vindo a Nova York (Abel Ferrara)

Muito se escreveu sobre a figuração do mal no cinema de Abel Ferrara. De fato, talvez nenhum outro cineasta contemporâneo tenha sido capaz de desvelar pelo excesso um profundo mal estar da condição humana, sempre contingente à sociedade que o circunda, sem contudo encontrar, por fim, um olhar cínico, exasperado, ou seja, no fundo complacente com o que supostamente se denuncia. Porém, o traço fundamental de Bem-vindo a Nova York não é somente essa habilidade em figurar o mal mas sim uma firme postura do olhar que condena qualquer tipo de demagogia. Desde os primeiros planos do filme Ferrara constrói uma série de conexões que erigem  um Depardieu/Devereaux como uma grande figuração do mal inerente à decaída sociedade capitalista do século XXI. Não estamos, contudo, no filme de denúncia social, investigativo ou que busca recriar os fatos com a maior acuidade possível (como bem nos lembra a cartela que abre o filme) – deixemos isso para os publicitários e arautos da boa consciência de plantão – o que interessa a Ferrara é não apenas a intensificação do mal representado pelo seu protagonista, mas sim uma brusca inversão de perspectiva, na qual a personificação desse mal após vaticinar “Ninguém quer ser salvo” nos lança um profundo olhar inquisidor: afinal não fazes parte disso tudo também? (Guilherme Savioli)

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5. Cães Errantes (Tsai Ming Liang)

Último longa dirigido por Tsai Ming-liang, Cães Errantes se constitui quase como um inventário dos corpos dos atores (colaboradores habituais na obra do cineasta, com especial destaque para Lee Kang-sheng e seu personagem  Hsiao-kang) vagueando por espaços fronteiriços, abandonados e cerceadores de uma Taipei devorada pela urbanização voraz. Por acaso – e talvez até provavelmente – as mulheres, as crianças e o homem que entram em cena formam uma família. Aqui não há espaço para nenhuma vontade transcendental ou auto-complacente no esgarçamento temporal empreendido por Ming-liang em cada plano, em cada situação. Seu cinema é extremamente material, concreto e neste filme, em particular, dotado de uma dureza rara. “Até quando durará os sofrimentos das questões do império?” canta Hsiao-kang na memorável cena dos homens-placa. Todos os gestos desvelados pelos corpos em cena e cuidadosamente documentados pela câmera de Ming-liang são inevitavelmente uma reação ao questionamento cantado pelo personagem de Lee Kang-sheng. (Guilherme Savioli)

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6. Amar, Beber e Cantar (Alain Resnais)

Quis o destino que o grande Resnais se despedisse do mundo com esta pérola, a um só tempo uma continuação e uma resposta ao filme anterior, Vocês Ainda Não Viram Nada, que, por sua vez, tinha mais cara de filme testamento. A grande sacada de Amar, Beber e Cantar é que tudo no filme gira em torno de um personagem doente, George, que nunca aparece. Ele movimenta a todos (como um diretor de cinema ou teatro?), mas fica ausente, por trás da câmera, a puxar os fios que fazem com que os personagens/marionetes andem de um lado a outro, perdidos, inconstantes, indecisos e indefesos. É a terceira adaptação realizada por Resnais do dramaturgo Alan Ayckbourn, após Smoking/No Smoking e Medos Privados em Lugares Públicos. No elenco, dois atores essenciais do período de sua obra que se inaugura com A Vida é um Romance: Sabine Azéma e André Dussollier. (Sérgio Alpendre)

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7. A Imagem que Falta (Rithy Pahn)

Desconcertante em todos os aspectos, A Imagem que Falta é uma espécie de inventário do período mais triste da história do Cambodja, quando o país era governado pelo ditador Pol Pot e sua máquina de matar, o Khmer Vermelho, entre 1975 e 1979. Os motivos que fizeram com que este grande filme de Rithy Pahn passasse despercebido por nosso circuito são ainda um mistério. Esse tipo de filme já estreia mal, fica uma semana apenas com horários cheios para depois cair naqueles horários alternados de salas menores, desaparecendo após a segunda ou terceira semana de exibição. Felizmente, temos meios de voltar a ele (ou mesmo de descobrí-lo). Podemos fazer nossa própria programação, e nesta devem constar os bonequinhos de massa que representam personagens reais da história cambojana, as impressionantes imagens de arquivo que o filme apresenta e a narração do próprio diretor. Um filme realizado com uma inteligência rara no cinema contemporâneo.  (Sérgio Alpendre)

crítica

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8. O Ciúme (Philippe Garrel)

Num filme sobre amor, Philippe Garrel decide priorizar os intervalos da vida. Isso causa um descompasso de expectativas: há, no enredo, algo palpável, com o qual qualquer um se relaciona – o amor. Mas Garrel sonega equações simples de causa e efeito, como que dizendo “filmar o amor não cabe num projeto tradicional de linearidade”.

O Ciúme é filme que parece prometer harmonia, mas que se estabelece totalmente em cima de dissonâncias, sentimento intensificado pela abundância de elipses, brilhantemente utilizadas. Garrel filma o momento grave sem anunciar que está a fazê-lo, com naturalidade, mas ainda assim extrai dessa mesma naturalidade uma força que nos faz perceber que sim, está à nossa frente um momento profundo – vide a cena que abre o filme, da separação do casal, o suicídio frustrado ou a oferta sui generis de morarem no apartamento do amante. Encontrar-se/desencontrar-se, apaixonar-se/desapaixonar-se, iniciar uma vida/encerrar uma vida: dualidades ponderosas que Garrel observa com a seriedade que elas merecem, mas sem necessidade alguma de enunciar tal gravidade. (Heitor Augusto)

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9. Magia ao Luar (Woody Allen)

A cada novo longa de Woody Allen, um grupo de críticos celebra a volta do diretor à boa forma. Bem, posso dizer que agora sou eu que celebro, pois este é o Allen mais forte desde Tudo Pode Dar Certo. Não faz tanto tempo assim, mas não sou daqueles que propagam a decadência de um dos diretores mais constantes e regulares do cinema americano recente. Regular no sentido de que sempre se pode esperar algo minimamente visível de sua assinatura. As exceções (Setembro, Simplesmente Alice, Celebridade, Igual a Tudo na Vida, Melinda e Melinda, Blue Jasmine) existem devido a frequência com que Allen filma. Em Magia ao Luar, temos sobretudo um par de atores notável, em seus melhores momentos: Colin Firth e Emma Stone. Temos também alguns dos melhores diálogos da carreira do diretor, um dos melhores dos EUA nesse particular. (Sérgio Alpendre)

crítica

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10 (ex-aequo). Avanti Popolo (Michael Wahrman)

“Quem filma o filme que estamos assistindo?” é uma pergunta que já atravessava Oma (2011), o ótimo curta de Michael Wahrmann. Em Avanti Popolo, o questionamento torna-se ainda mais agudo. Para além de uma relação possivelmente fetichista, responder tal dúvida é entender justamente como o filme dá o seu salto de aparente especulação formalista para a abordagem de fantasmas políticos do Brasil recente.

O filme carrega um raro equilíbrio entre um rigor de composição do quadro – enquadramento, direção de arte e fotografia – com a “alma” de personagens que só se revelam aos poucos. Se pensarmos como é engessado muito do cinema que se intitula político no Brasil, a encenação de Avanti Popolo coloca o filme num grau bem maior de interesse e relevância. (Heitor Augusto)

crítica

toquedemestre

10 (ex-aequo). Um Toque de Mestre (Eugenio Mira)

Alfred Hitchcock sempre defendia que um cineasta não devia pensar em verossimilhança. No livro de entrevistas a François Truffaut, o mestre do suspense costumava zombar daqueles que o acusavam de falsear demais a realidade. Chamava-os de “doutores verossímeis”. Aqui estamos no terreno do inverossímil, uma vez que o atirador tem controle demais da situação, e o pianista, que passou a sofrer de medo extremo do palco justamente após ter errado uma nota, consegue executar perfeitamente uma música difícil, mesmo sob risco extremo. Com uma câmera ágil, que se movimenta rapidamente pela orquestra e pela plateia, e um trabalho de composição de quadro em sintonia com as contribuições feitas por De Palma e Argento ao suspense hitchcockiano, Mira estabelece a tensão em consonância com as pausas e acelerações impostas às teclas do piano. (Sérgio Alpendre)

crítica

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LISTAS INDIVIDUAIS DE CADA REDATOR

TEXTOS:

A falência do circuito – Por Heitor Augusto

Hollywood’14 – Por Wellington Sari

Anotações sobre o cinema brasileiro de 2014 – Por Guilherme Savioli

Listas de melhores de 2014 – Por Cesar Zamberlan

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