Jauja
Jauja (2014), de Lisandro Alonso
As primeiras imagens de Jauja nos levam à estranheza e à fascinação, a começar pelo formato de janela 4:3, com as bordas arredondas. Apenas por esta opção, Lisandro Alonso já faz com que seu novo longa-metragem se relacione com todo um legado cinematográfico – com sua história, sua iconografia, seu mito. Em quadro, uma terra exótica e ancestral: a Patagônia do final do século 19, onde homens compartilham, com leões-marinhos, um espaço prestes a ser desvendado.
Já nesta impactante abertura, Alonso adentra alguns territórios por ele até então inéditos. Jauja é sua primeira incursão em uma produção de época e é, também, a única vez em sua filmografia que um ator profissional (uma estrela internacional, de fato) é protagonista. Viggo Mortensen é um engenheiro do exército dinamarquês, em campanha para exterminar os nativos e abrir caminho à colonização. Junto dele, sua bela e virginal filha de 15 anos que, rapidamente, fica-se claro, será a causa dos eventos a seguir. Durante uma pausa da expedição, um tenente irá tentar comprar a garota que, apaixonada por um jovem soldado, fugirá com este, escapando de seu pretendente e abandonando seu pai.
Se nesse início temos mais intrigas e diálogos do que possivelmente em toda a filmografia pregressa do cineasta argentino, o restante nos surgirá – por ora – familiar: como em La Libertad, Los Muertos e Liverpool, acompanharemos um homem solitário cuja exuberância do espaço natural que o cerca tornará, a cada instante, suas buscas e dramas, algo à beira da insignificância. Com a forte presença física de Mortensen, no entanto, o personagem ganha uma magnitude dramática inesperada e, no momento em que seu cavalo é roubado, seus vagueios e seu semblante ganham uma dimensão mística e atemporal, apropriadas às insólitas paisagens que o consome.
Aqui, este filme irregular por definição abre-se a inúmeras hipóteses, por vezes parecendo pender à loucura, por vezes rumando ao delírio ou, simplesmente, ao nada (em outras palavras, ao formalismo pseudo-existencial). Entretanto, Alonso e seu corroteirista – o dramaturgo e poeta Fabián Casas – buscam sobretudo o folclore, o sonho, a imaginação, e falar sobre essa colaboração é discutir sua inesperada conclusão, na qual a metafísica até então sugerida vem à tona, após um encontro entre o engenheiro e uma idosa, onde a penumbra do local faz com que a tela do cinema, súbita e belamente, se preencha.
Como se tal instante não fosse o suficiente para sustentar suas inclinações fantasiosas (impregnando a historicidade pela fábula e ressignificando seus elementos cênicos), um prólogo surge, conferindo ao todo um caráter circular, borginiano, eterno.
Bruno Cursini
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