Ano VII

Um Pombo Pousou

terça-feira out 28, 2014

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Um Pombo Pousou num Galho Refletindo Sobre a Existência (En duva satt på en gren och funderade på tillvaron, 2014), de Roy Andersson

Se já havia mostrado bastante desinteresse em trabalhar com um entendimento tradicional de progressão narrativa em Vocês, os Vivos (2007), desta vez o sueco Roy Anderson utiliza ainda de maneira mais aguda uma organização em esquetes, entregando sequências-temas, entrelaçadas por dois vendedores ambulantes que dão andamento à “história”.

O nobre e o patético coexistem e circulam o tempo todo em Um Pombo Pousou num Galho Refletindo Sobre a Existência. A começar pelos próprios vendedores, que se apresentam como “do ramo do entretenimento”. O choque já começa por seus rostos: pálidos, quase mortos-vivos, falando sempre no mesmo timbre sonolento. A cada cliente potencial eles alegam “quererem fazer as pessoas felizes”. Rimos porque, bem, eles não se encaixam no que se imaginaria por tipos capazes de alegrar os outros. Após o riso, o pensamento: mas não é profundamente agoniante ter um desejo, pensar-se apto a executá-lo e, no confronto com a realidade, descobrir que isso não se confirma?

Na mesma medida que é divertido, Um Pombo… é também desconfortável, pois cada riso é seguido de uma espécie de ressaca. Um dos momentos fortes vem num pesadelo de Jonathan, o vendedor mais atrapalhado. Nele surgem imagens de negros escravizados e queimados vivos, cenário observado por aristocratas que bebem champanhe. O que até então mostrava-se como um personagem essencialmente cômico revela-se numa sensível crise existencial: “é justo humilhar um ser humano?”, pergunta (ou algo assim).

Além dos vendedores, cuja trajetória é o que há de mais próximo a um “arco narrativo” no filme, tem-se uma série de personagens-relâmpago. Por meio deles que Um Pombo… pincela perguntas que, apesar da brevidade na abordagem, permanecem após a sessão: como se comportar quando o ser amado já não te devolve amor? Qual a razão de se estar vivo quando não mais se pode agir sobre o mundo? Onde enfiar a solidão?

Ao mesmo em que se dedica a perguntas de maior lastro, o filme também olha para coisas óbvias, ainda que submersas. Aos frequentadores de uma lanchonete, a garçonete que acabara de servir o homem à sua frente, vítima instantes atrás de um infarto, questiona: “Alguém quer o sanduíche e a cerveja dele? Já estão pagos”. Dada a importância do centro da cena (a morte), quem pensaria no que fazer com o pedido? Novamente, o patético e nobre.

Tudo isso numa cuidadosa construção do quadro, característica que sempre chamou a atenção na obra de Roy Anderson (vide a cena do homem de fora do café, ao telefone, na qual se vê por entre janelas outras duas informações narrativas independente se desenrolando). Obra que, apesar de pouco extensa, tem transformações muito interessantes se compararmos um filme como A Sweedish Love Story (1970) com os três últimos longas da trilogia sobre ser humano. Agora é torcer para que alguma distribuidora se sensibilize e compre o filme para o mercado brasileiro.

Heitor Augusto

 

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