Ano VII

Obra

terça-feira out 28, 2014

Obra-3

Obra (2014), de Gregório Graziosi

Acho que já escrevi isso em algum lugar, mas vale repetir: alguns filmes representam desafios. Não sabemos ao certo o que escrever sobre eles, mas ao mesmo tempo queremos arriscar, até para entendermos melhor nossa relação com o que sentimos, com a experiência que tivemos como espectadores, sobretudo em cinema. É muito comum, em casos como este, a tentativa de racionalizar sobre o que vimos se tornar infrutífera, ou confusa. Mas é um risco que temos de correr. Provavelmente vai dar num morde-assopra desgraçado. Paciência.

A primeira impressão de Obra, longa de estreia de Graziosi (diretor de curtas bem interessantes), é de decepção. Impressão, portanto, que deve ser ultrapassada para se atingir uma objetividade, não necessariamente durante esta cobertura (porque cobertura de festivais, digo mais uma vez, nunca é o lugar certo para se encerrar um pensamento sobre um filme).

Graziosi é roteirista de Boa Sorte, Meu Amor, filme maneirista de Daniel Aragão (não tomemos, aqui, maneirismo como algo pejorativo, pelo amor de Deus). Além disso, é diretor de bons curtas influenciados pelo cinema japonês mais formalista.

Obra também é um filme maneirista, ainda mais que o de Aragão, e, como este último, é filmado em preto e branco. Os enquadramentos exploram simetrias, grafismos, recortes e geometrias, como nos filmes mais radicais da Nuberu Bagu (a Nouvelle Vague japonesa). Mais um pouquinho e se alinharia formalmente a Purgatório Eroica (1970), de Yoshishige Yoshida, ao menos na maneira como descentraliza o quadro em alguns planos, e também na recusa ao didatismo narrativo (ou ao menos assim me pareceu numa primeira visão).

O roteiro, escrito por Graziosi e Paolo Gregori (de Corpo Presente), desenvolve situações em torno de um arquiteto (Irandhir Santos, cada vez mais próximo de ser onipresente) que descobre um cemitério clandestino nas terras em que uma obra está sendo construída sob sua responsabilidade. O empreiteiro responsável (Julio Andrade) o acusa, e sua culpa se manifesta por meio de uma terrível dor nas costas. Mais: ele está prestes a ter o primeiro filho com sua esposa inglesa (não entendi bem se há uma razão para essa nacionalidade, se é só autobiográfica ou tem algo mais). Quando transa com duas modernetes, sente-se culpado – a dor nas costas parece piorar após isso.

O filme foi apresentado como um retrato diferenciado da capital paulista, e essa diferenciação é algo que me escapa. Claramente, é São Paulo que está na tela, com todo o cinza e os espigões. Mas não vi nada nesse retrato que o diferenciasse de outros filmes paulistanos recentes, como Riocorrente, Super Nada, Cores  e Corpo Presente, por exemplo.

As composições, por outro lado, são totalmente devedoras de uma noção arquitetônica moderna. Espaços pensados anteriormente sendo repensados pela câmera. Esse é o aspecto mais interessante deste Obra. No mais, as perguntas permanecem após a projeção, o que não é negativo, em si. Pelo contrário, confere algum valor ao filme. Mas esse valor é fugidio, ora parece alto, ora se esconde preguiçosamente no rótulo experimental.

Então terminamos como começamos. À espera de uma revisão redentora ou reveladora. Ou, por outro lado, é um filme que pede revisão. E isso é o máximo que podemos dizer em seu favor, por enquanto.

Sérgio Alpendre

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