Almas Negras
Almas Negras (Anime Nere, 2014), de Francesco Munzi
Da tímida renovação do cinema italiano, ao menos entre os filmes que pudemos ver em festivais brasileiros, não é Paolo Sorrentino (de A Grande Beleza) o nome mais importante, nem Matteo Garrone (de Gomorra). É Michelangelo Frammartino, diretor de As Quatro Voltas. Francesco Munzi, de quem vi apenas este terceiro longa, Almas Negras, não chega a esse nível, mas está bem acima de Garrone e Sorrentino, se é que se pode compará-los. Acima de Garrone, vale dizer, porque ambos se exercitaram pelo filme de máfia, e Munzi se deu melhor.
Almas Negras tem boa parte das regras do gênero: preocupação com a conexão familiar, as diferenças de temperamento entre irmãos, uma juventude violenta e intempestiva, mulheres preservadas o máximo possível dos negócios. Isso o aproxima mais de filmes como O Poderoso Chefão, um melodrama familiar, operístico e trágico, do que de Gomorra, por exemplo, com seu maior foco nas preocupações sociais.
Por outro lado, algumas regras são dribladas. Não há, por exemplo, as falas emblemáticas que ficam na cabeça do espectador (coisas como “mantenha seus amigos por perto, e seus inimigos mais perto ainda”, ou “vou fazer uma proposta que ele não poderá recusar”, ditas e repetidas pelos Corleones). Não há um desenvolvimento melodramático claro até a meia hora final, quando as mortes que são de praxe no gênero começam a acontecer. As cenas de maior violência são sonegadas, ficando na imaginação do espectador (a mais impactante, do ponto de vista de mise en scène, é a do assassinato numa escola abandonada). Além disso, a coesão familiar, desde o começo, parece mais frágil do que deveria em uma família que se pretende firme nos negócios. O que vemos, por isso, é mais uma implosão do núcleo familiar do que uma guerra entre famílias do tráfico.
Entende-se essa implosão. O irmão mais velho, Luciano, cuida de cabras nas montanhas da Calábria (algumas cenas ali lembram, de longe, As Quatro Voltas). Mantém-se mais ou menos afastado dos negócios, e seu maior problema é o filho, jovem de inclinações marginais que pende para o irmão caçula Luigi, traficante poderoso em Milão. Este, por sua vez, responde ao poderoso Rocco, o irmão do meio, que controla os negócios da família sem manchar as mãos (ele até renega, como fica claro num diálogo, os métodos mais afoitos de Luigi, que está para Almas Negras como James Cann estava para O Poderoso Chefão).
Dados os elementos, podemos ver que Munzi trabalha com eles de forma sólida, apesar de uma ou outra pisada na bola: as composições de quadro, por exemplo, nem sempre parecem bem pensadas, ou têm aquele aspecto sujo e solto que está na moda atualmente, mas que incomoda um pouco nesse tipo de registro.
Sérgio Alpendre
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