Ano VII

O retorno de Antígona

quarta-feira out 22, 2014

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O Retorno de Antígona (Na Kathese Kkai na Koitas, 2014) de Yorgos Servetas

Assim como seus conterrâneos que mais tiveram repercussão nos últimos tempos – Dente canino e Miss Violence – o filme grego O retorno de Antígona busca traçar um impiedoso diagnóstico da terrível situação pela qual atravessou o país nos últimos anos. Guardadas as diversas semelhanças – principalmente no que diz respeito ao tom cáustico e à condução da mise en scène – é importante elucidar um ponto que faz com que o filme de Yorgos Servetas seja – à primeira vista, pelo menos – divergente: não há aqui a utilização de situações metafóricas para figurar a situação descrita, tudo é apresentado diretamente, a problemática almejada é posta sem qualquer mediação.

As primeiras imagens do filme já buscam descrever precisamente – de forma quase exaustiva – as linhas de força que teoricamente irão comandar a narrativa, ditar as regras do diagnóstico preterido e, enfim, orientar as vidas das personagens que irão habitar a trama. Planos gerais de uma vila interiorana na Grécia, paisagens quase desérticas, algumas bandeiras gregas hasteadas em meio ao nada: a voz de Antígona – a protagonista que está voltando para casa a fim de economizar no aluguel – fala de sua árdua infância nos anos 80, na qual o futuro se mostrava como uma promessa incontestável de superação das mazelas. Todo o percurso posterior, ou seja, toda a história de retorno às origens, buscará demonstrar o quão ilusórias se mostravam tais promessas. É na tentativa de demonstração dessa tese que Servetas constrói o seu filme.

Findam-se, logo após os momentos iniciais, as diferenças que afastavam O retorno de Antígona de Dente Canino e principalmente Miss Violence. No afã de escrachar a sua tese, sem nenhum pudor,  o que se observa é a retomada de procedimentos que parecem se cristalizar numa certa tendência do cinema grego contemporâneo. A mise en scène, que busca exercer um pretenso (e extremamente falso) absoluto controle, está a serviço de uma narrativa que busca personificar na maldade individual de cada personagem as responsabilidades pela imutabilidade do pesadelo social vivenciado pela sociedade.

Assim, o que se segue após a declaração de princípios que abre o filme são muito provavelmente as cenas mais toscas e mais mal filmadas, dos piores e mais batidos dramas folhetinescos que veremos nessa Mostra Internacional de São Paulo. Não há espaço para qualquer dialética que problematize a persistência de problemas históricos, o que há é uma condenação sumária de uma suposta maldade inerente ao ser humano, e os efeitos em suas respectivas vítimas.

Nesse sentido é emblemático o plano final da cena em que o ex-companheiro de Antígona chega para salva-la de um possível estupro seguido de assassinato: plano geral de mais uma desolada e quase desértica paisagem, um trailer decadente ao fundo, um dos estupradores sai correndo do veículo, o salvador desponta na porta com uma arma e atira. Acompanhamos o tiro acertar o criminoso e em uma panorâmica vamos da cena do crime para mais uma vista de toda essa persistente paisagem: é essa a problemática fundamental para Servetas, tudo já está internalizado, interconectado, em suma, naturalizado. Evocar a continuidade de problemas históricos e colocar em crise uma certa teleologia progressista se torna uma mera questão de descrever como inerentes aquele ambiente e àquelas pessoas (o velho na estação de trem e os diálogos que Antígona trava com ele é o caso mais sintomático desse diagnóstico) alguns impulsos animalescos do ser humano. Um cinismo conformista que teve provavelmente em Miss Violence seu mais forte expoente.

Guardadas as inúmeras diferenças é interessante sublinhar que o tom conformista e pouco dialético dos filmes ao lidarem com esses inventários de problemas que assolam uma sociedade e/ou uma geração não se reduz a cinematografia grega. Alguns filmes brasileiros já exibidos nessa 38ª Mostra (com destaque negativo para Casa grande) continuam reproduzindo a mesma visão conciliadora, deslumbrada e personalista dos problemas sociais vistos (e resolvidos) sempre por uma classe média alta. Voltaremos em breve ao assunto.

Guilherme Savioli

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