Força Maior
Força Maior (Force Majeure, 2014), de Ruben Östlund
Em Força Maior, de Ruben Östlund, uma família está de férias numa estação de esqui nos alpes franceses. Tudo está bem, aparentemente, e tudo continua aparentemente na mesma após uma avalanche controlada, mas ainda assim assustadora.
Mas as aparências enganam, como já nos mostrou o cinema de Hitchcock, De Palma e alguns outros, e o que parecia uma relação sólida revela-se aos poucos uma relação manchada pela desconfiança e pelo egoísmo. Tais manchas são difíceis de limpar. Acompanhamos, então, a tentativa, mais interna do que outra coisa, da mãe e do pai de lidar com esses novos elementos que se impõem entre eles.
A avalanche começa. O pai procura tranquilizar a esposa e seus dois filhos pequenos, um menino e uma menina, dizendo “eles sabem o que fazem”, “está tudo controlado”. Quando a avalanche parece não mais controlada, instala-se o pânico, e todos saem correndo dali. Todos, menos a mãe, que num gesto instintivo segura suas crias, protegendo-as debaixo de uma mesa. O pai chega a empurrar um homem que estava mais lento à sua frente, e nem olha para trás. Ele sabe que errou, mas tenta segurar as aparências.
Por um lado, o filme fala do fortalecimento de laços familiares. A partir desse incidente besta, o pai deixa de merecer a confiança da esposa e dos filhos, pois estes sabem que, na hora h, se depender dele, é cada um por si. Por outro, estamos entre o instintivo e o calculado, o enfrentamento e a tolerância, a aparência e a essência. Tudo está ruindo, mas o controle aprisiona os sentimentos até que a energia represada tenha de se soltar. Daí as comparações, mais ou menos justas, com o cinema de Michael Haneke, de quem Östlund herda ao menos a encenação calculada e rigorosa.
De início, ambos deixam de lado o incidente, acreditando que o tempo o coloque em seu devido lugar. Mas não é isso que acontece. A cada hora a atitude do pai se revela mais grave aos olhos da mãe, e a vergonha de ambos funciona como catalizadora de uma crise terrível na relação. Crise que termina numa catarse, com todos chorando e abraçados.
Deveria terminar aí, na incerteza, porque mesmo o choro não é capaz de apagar mágoas profundas. Mas Östlund comete a bobagem de colocar um epílogo em que a situação se inverte, e a mãe, com medo de que o ônibus em que viajam caia de um precipício, pede desesperadamente para que o motorista abra a porta e deixe-a descer. O diretor parece acreditar que no desespero todos são iguais, e que os instintos maternos revelados em um acidente têm prazo de validade curto demais. Uma relativização que torna as coisas mais fáceis e simplórias. Faltou coragem para fazer uma real investigação sobre a culpa e a vergonha.
Sérgio Alpendre
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