Ano VII

Dia 2 – Sinfonia do progresso e da ordem (Brasil S/A)

sexta-feira set 19, 2014

 

Dia 2 – Sinfonia do progresso e da ordem (Brasil S/A)

 

por Heitor Augusto

 

Nos primeiros planos, Brasil S/A promete uma enormidade. A sinfonia da chegada dos tratores (e aí entendemos, logo de cara, que os tratores são usados como alusão ao desenvolvimento, ao progresso, e mais adiante perceberemos um olhar mergulhado no sarcasmo e na crítica) coloca a expectativa com o filme num lugar alto. Conforme o filme se desenvolve, essa tensão entre o que prometia ser a experiência e como ela de fato acontece não se resolve.

 

Fala-se, em Brasil S/A, do tesão ao desenvolvimentismo, ao progresso, ao avanço, à substituição da mão de obra por máquinas, à povoação de elites enfurnadas em carro. Situação cara e comum a muitos partes do país na última década, mas que ganha contornos especiais em se tratar do Recife, no qual existem movimentos de resistência, como o Ocupe Estelita, que tenta estabelecer um outro paradigma de cidade – preocupação constante de parte do cinema recente feito em Pernambuco, em especial à obra de Marcelo Pedroso, diretor deste longa.

 

Brasil S/A organiza-se em blocos, no qual tenta desenvolver motivos e extrair sua força pelo impacto das cenas (o baile aristocrata, os cortadores que se transformam em força de trabalho formal, a cegueira e surdez no transe do som de Sound of Silence etc). O longa, porém, fica no meio do caminho: nem estabelece um sentido mais tradicional de progressão narrativa, nem rompe de fato com isso rumo à construção de espaços isolados de sentido como o fazem Vocês, os Vivos (2007), de Roy Anderson, ou Símbolo (2009), de Hitoshi Matsumoto.

 

O terceiro longa de Pedroso também faz um flerte com um cinema de gênero, em especial à ficção científica. Conforme avança e se repetem símbolos como a bandeira tremulando ou a queimada, Brasil S/A parece não estar interessado de fato no que a ficção científica poderia lhe oferecer, indo a ela apenas para pegar uma ou outra coisa útil à afirmação de seu discurso crítico ao desenvolvimentismo.

 

Se inicialmente indica que estaria tão interessado pelas possibilidades de uma ficção científica politizada como um John Carpenter, o filme parece jamais abandonar o desejo de alegoria e metáfora nos moldes de Joaquim Pedro em Macunaíma (1969). Ao assistir ao longa, a sensação é que esses dois desejos de cinema (que não necessariamente refletem a vontade de Pedroso, mas que enxergo no filme) nunca se conciliam integralmente no resultado final.

 

Esse desequilíbrio dentro e entre os blocos faz com que seja um filme de momentos, nos quais ele parece que irá se tornar grande, especial, de força evidente, mas isso nunca se confirma – ao contrário de seu curta anterior, Em Trânsito, que talvez pela idiossincrasia mesma do formato curta-metragem, concentrou mais potência. Há momentos, dos dois cito dois: o transe ao som de Sound of Silence (talvez se o filme acreditasse ainda mais na loucura de fazer prédios voarem ele tivesse mais força) e a entrada de Edilson, o cortador de cana, na “missão espacial”, uma releitura em forma de sinfonia de uma típica propaganda da Petrobras (o que não é à toa, já que a empresa é um dos paradigmas da ideia de desenvolvimentismo no Brasil recente, corporação pela qual todo brasileiro parece ter obrigação de se sentir orgulhoso).

 

Se existem momentos de força, falta aquela sensação de evidência, aquela potência do conjunto que esteja à altura de suas melhores sequências.

 

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