Magia ao Luar
Magia ao Luar (Magic in the Moonlight, 2014), de Woody Allen
Desde a primeira aparição de Sophie (Emma Stone) em Magia ao Luar sabemos que se trata de uma vidente farsante. Ou pelo menos é a clara sensação que Woody Allen imprime à sua personagem. E isso não se deve somente ao fato de que, até então, só ouvira-se falar dela através de pessoas ingênuas e extremamente iludidas com seu suposto dom ou pessoas incumbidas em desmascara-la enquanto falsa vidente, em especial o famoso mágico Stanley (Colin Firth). A entrada de Sophie em cena não apenas confirma as suspeitas construídas sobre sua pessoa, mas as reforça de maneira brutal: sua primeira aparição em um plano distante, seu caminhar vagaroso em direção a Stanley (a câmera permanece sempre sob seu ponto de vista), seus gestos extremamente caricaturais ao obter as tais “impressões mentais”, tudo, absolutamente tudo denuncia a farsa de Sophie. Ao mesmo tempo, outro aspecto inevitável, já anunciado pela narrativa, se reitera na cena em questão: o racionalista e misantropo Stanley se apaixonará perdidamente, apesar dos pesares, pelo seu objeto de investigação.
Todas as cartas estão postas, praticamente tudo esquadrinhado. Sophie obtém suas “impressões mentais” para tia Vanessa (Eileen Atkins), o plano permanece fixo, com Stanley de canto, como sempre reticente, mas por fim cedendo ao encanto e à aceitação do dom de Sophie – tudo num só plano fixo. Posteriormente, a abertura do teto do observatório: Stanley acha assustador a dimensão humana perante o universo, Sophie acha apenas romântico. A grandeza de Magia ao luar reside justamente na concisão, no método sintético com que lida com seus elementos e opera sua encenação.
Não se trata mais de complexificar a narrativa, operar em uma profusão de elementos para se buscar uma síntese – na verdade quase uma demonstração de sua problemática central, muitas vezes esboçadas claramente no princípio – como em alguns trabalhos recentes do diretor (Você Vai Conhecer o Homem dos seus Sonhos e Blue Jasmine, principalmente) ou apostar puramente na força ingênua de uma mensagem positiva como força motriz para toda uma narrativa erigida sob um olhar igualmente demonstrativo (Meia Noite em Paris). Em Magia ao luar estamos definitivamente no campo da síntese, da concisão que reativa, que irriga sempre a partir de uma ideia de potencia da cena em particular e evidentemente da encenação que lhe diz respeito. Pouco importa que já saibamos que Sophie é uma charlatã ou que Stanley se afeiçoará a ela. Ou melhor, é somente por termos ciência desses fatos é que existe uma independência em cada cena. Independência com a qual Allen lida justamente com síntese e concisão.
Essas características primordiais de Magia ao Luar – concisão e síntese – se espraiam claramente em sua composição imagética. Quarto filme de Woody Allen com janela 2.35 (os anteriores haviam sido Manhattan, Igual a Tudo na Vida e Blue Jasmine), é onde o formato cinemascope se integra, se coaduna em perfeito equilíbrio com os princípios de sua mise en scène. A janela estendida lateralmente é a única capaz de abrigar em seu interior, num único plano, a disposição precisa dos corpos em cena: é onde Allen opera efetivamente sua concisão e síntese no olhar, onde num único plano fixo passa-se do que já esperávamos para o gesto, para a mudança enfim, que desestabiliza a cena, que lhe confere uma potência única, quase independente.
Se há dois filmes que mais se assemelham a este, na carreira recente do cineasta, esses filmes são Match Point – Ponto Final (2005) e O Sonho de Cassandra (2007), duas incursões dramáticas que aparentemente pouco tem a ver com o tom de comédia romântica adotado por Magia ao Luar. Do primeiro, toda uma ideia de encenação que perpassava pelo olhar dos personagens: a tragédia que ora se camuflava no desejo e na sede poder e ora implacável e desesperadamente se impunha, sempre através dos olhares de Scarlett Johansson e Johnathan Rhys Meyers. Em Magia ao Luar não se trata evidentemente do elemento trágico, mas sim da crônica de tipos: o olhar continua um elemento crucial, pois é sempre nos primeiros planos de Emma Stone e Colin Firth que a câmera de Allen é capaz de capturar as nuances e alternâncias desses tipos que sucumbem ao elemento irracional de suas emoções – olhos que hora desafiam o outro para logo depois tecer um convite para passarem o dia juntos, ou até mesmo para se casarem. Do segundo, todo aspecto de concisão formal: lá, um vórtice quase frenético como experiência (novamente) do trágico; aqui, a lateralidade, o palco estendido pelo scope que abre a possibilidade de se deter e capturar atentamente os jogos cênicos e as ligeiras mudanças implicadas a partir deles, desenvolvidos ao longo de cenas que se constituem quase como pequenas e repetidas variações acerca de um dado quase certo, quase consumado.
Guilherme Savioli
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