Ano VII

Amantes Eternos

domingo ago 24, 2014

Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, 2014), de Jim Jarmusch

A princípio, pouco separa Amantes Eternos dos outros longas-metragens de Jim Jarmusch, começando por aquele que seria o personagem principal, Adam (Tom Hiddleston): um vampiro nascido no século 16, apático com tudo e todos ao redor, a ponto de encomendar uma bala de madeira para, eventualmente, pôr fim à sua observação entristecida de um mundo que lhe parece destinado a toda sorte de decadência. Mas, como o título indica (seja o original ou o brasileiro), trata-se de uma história de amor e Eve (Tilda Swinton) vem a seu apoio. A distância entre eles é exibida na beleza hipnotizante da sequência de abertura na qual, o que primeiramente nos parece uma galáxia, num delicado fade transforma-se no girar de um LP. A câmera, a seguir, continuará na mesma posição, ora com o homem, ora com a mulher, ambos deitados, siderados e enclausurados.

Tal movimento circular reaparecerá em diversas ocasiões e esse clima de transe, essa sensação de desvario do tempo e espaço (algo simultaneamente sedutor e misterioso), também não é novo ao cineasta e, no limite, podemos ver Adam como uma variação do protagonista de Dead Man (o sangue do qual ele se alimenta funcionando como ópio, o deixando à deriva) ou, ainda, daquele matador de aluguel um tanto cansado de Ghost Dog. A forte presença do cenário no qual este morto-vivo gravita – Detroit, no caso – igualmente é típica do diretor, sempre hábil em evitar, ao máximo, os lugares-comuns de suas múltiplas locações (por ser a cidade que é, aqui a coisa fica ainda mais desolada). Eve, por sua vez, vive em Tânger  e vai aos Estados Unidos visitar seu marido, afogado numa casa plena de relíquias e objetos de tempos passados, a vasta maioria relacionada à música (seja ela clássica ou popular) que, ao longo da projeção, servirá como fonte de desligamento da banalidade do mundo.

Ambos são absurda e comicamente eruditos. Ele, de uma maneira conservadora, enquanto ela utiliza-se da tecnologia de ponta e encontra interesse nas frivolidades cotidianas. O afeto entre eles é latente, bem como a visão de mundo que o filme nos traz, onde a cada dia a sociedade parece decair mais e mais e a pergunta que fica é: seria um martírio viver eternamente acompanhando tal declínio ou devemos resistir, buscando beleza em um mundo que parece sufocá-la por todas as vias?

A elegância incomum, através da qual Jarmusch retrata esta derrocada cultural – principalmente, mas não apenas –, combatendo-a com uma sensorialidade por vezes acachapante, é o paradoxo que faz deste um trabalho ímpar, criando uma sofisticada decupagem e um belíssimo trabalho de cores, reforçando a distinção de seus personagens. Não é de se estranhar, portanto, que com a chegada da irmã de Eve, a vulgar Ava (Mia Wasikowska), a sutileza ceda à explicitação e o filme tome, nestes instantes (assim como o casal central), uma paleta mais convencional.  

Graças a ela, no entanto, temos o desenlace desta história e é ele que acabará por, surpreendentemente, resgatar uma esperança rara na filmografia do diretor: se antes seus intérpretes acabavam tão ou mais perdidos do que quando começaram (Permanent Vacation, Estranhos no Paraíso, Down by Law, Flores Partidas) ou, no mínimo, enfim, cumprindo o desastre de antemão anunciado (Dead Man, Ghost Dog), em Amantes Eternos, uma lua artificial de neon e um belo casal conseguem fazer com que Adam e Eve sigam em frente, galantemente pedindo licença para, em seguida, abocanhar a vida, continuando a prosseguir, até quando ainda houverem pessoas que, como eles, talvez mereçam a eternidade para compartilhar.

Bruno Cursini

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