Os Mercenários 3
Os Mercenários 3 (The Expendables 3, 2014), de Patrick Hughes
Mercenários 3 coloca, mais uma vez, o papel do musculoso sessentão em cheque. Assim como o filme constantemente borra os limites entre o diegético e o extra-diegético, a própria existência do gênero filme de ação é posta em debate. Tal discussão não é exclusividade da franquia de Sylvester Stallone. Skyfall, Battleship e Capitão América 2 são apenas alguns dos exemplos de blockbusters atuais a problematizar a questão do arcaico versus o contemporâneo.
Parece existir uma espécie de entendimento, nem sempre consciente, de que a matéria do mundo atual não fornece rigidez suficiente para se esculpir o filme de ação sólido e apolíneo de outros tempos. A configuração clean dos objetos, a brancura alva do design minimalista Apple, a delicadeza da tela tátil e as relações interpessoais que, gradativamente, são estabelecidas não mais pelo toque entre corpos, mas pelos toques de aviso de recebimento de mensagem nos celulares, formam um mundo por demais gasoso e efêmero. O filme de ação precisa do metal, da terra, do concreto, da rocha. O herói musculoso de antigamente necessita de um ambiente que dê sustentação à sua força, em oposição a um meio ambiente sustentável. Não é acaso o fato de o trem, esta máquina bestial de produzir poluição, tão importante para a história do cinema, ser a estrela principal da sequência de abertura de Mercenários 3 (junto do trem, o helicóptero, outra máquina hedionda e barulhenta). Seguindo a mesma lógica, a sequência final é ambientada em um pátio que abriga enorme prédio abandonado. Trata-se de um paraíso de concreto pronto para ser posto abaixo (as torres em chamas fascinam os homens desde antes das previsões de Nostradamus).
A franquia comandada por Stallone sempre teve consciência destas questões. Por isso foi obrigada, em cada um dos longas anteriores, a criar países fictícios, ou melhor, reinos de fantasia, que, por magia, pararam no tempo, na Era do Chumbo. Ao reservar o terceiro capítulo para abordar frontalmente a noção de, justamente, passagem de tempo e morte, poderia se esperar que Stallone decidisse ambientar o projeto dirigido por Patrick Hughes no mundo contemporâneo. Mas, antes de ser uma franquia que trata de inadequação e anacronismo, os três exemplares de Mercenários são obras de ação. Sendo assim, mantem-se o mundo antiquado – de um tempo em que se guardavam coisas em cofres, não na nuvem - e atira-se nele jovens representantes de diversos estereótipos atuais (ou, não necessariamente atuais, mas reconfigurados para parecerem atuais): o latino nervoso, o nerd aventureiro, a mulher ultra feminista que despreza os homens, o bonitão baby face em que a barba parece mais fantasia do que sinal de maturidade. Cria-se outra camada de inadequação e anacronismo: o mesmo efeito de deslocamento temporal provocado pelo charuto de Schawrzenegger ou o óculos de aviador em Harrison Ford é causado pelo segundo grupo de mercenários (os jovenzinhos) quando jogados no mundo do ontem, lado a lado com relíquias ambulantes como Dolph Lundgren.
Fica bastante claro que se o ambiente do filme de ação é o mundo arcaico, o novo soa artificial, e, principalmente, calculadamente bonito. Há sempre que existir algum tipo de feiura, de deformação corporal no herói de ação (a boca torta de Stallone, a calvice precoce de Bruce Willis, a protuberância na testa de Van Damme). É a deformação que dá ao herói o caráter mundano que, (mesmo falsamente), os separam dos super- heróis. Ainda que Rambo tenha força sobre-humana, é sua feiura, sua “cara de bobo”, que nos ajuda a compartilhar a tristeza do personagem ao final do longa de 1982. Onde há feiura, há defeito e onde há defeito, há fraqueza visível. Mesmo o jovem Tom Cruise, apesar de bonito, tem nariz grande e olhar perturbado, propício para momentos de delírio e loucura (um grande exemplo é a cena, em Top Gun, em que Maverick afirma colocar acima qualquer coisa a tripulação e a aeronave, mesmo que, 15 minutos antes, o espectador o tenha visto quase destruir seu avião e matar sua tripulação ao menos três vezes, por pura imprudência arrogante).
Tais feiuras simplesmente não existem nos novos heróis que surgem para substituir os Mercenários. Não demora muito para que a velha guarda retorne, fazendo com que a própria tela seja a evidência do fracasso do novo. O filme se propõe a testar algumas possibilidades práticas, ao contrário dos exemplares anteriores, em que o debate do arcaico contra o novo era muito mais teórica. E o faz apenas para verificar que não funcionam. Será preciso inventar outro tipo de gênero, que se adeque à flacidez do mundo atual. Enquanto isso, Mercenários 3 continua a provar que o bom filme de ação é o filme de ação conservador. Ronald Reagan daria um excelente expendable.
Wellington Sari
© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br