Deslumbramento Afetivo
O deslumbramento afetivo dos corpos luminosos em sublimação no Novíssimo Cinema Brasileiro.
Por Glauco Tiradentes
Uma imagem é uma imagem. Não por acaso, a questão mais sintomática do plano, ou melhor, do estar em plano, é o fato de ele se dar a ver. É nesse estado das coisas, é nessa massa primeira de matérias em constante devir, que se desenvolve a própria relação mesma entre o corpo e copo (o copo como o receptáculo da alma, esse “movimento liquefeito dos desejos e prazeres do ser”, como diria Pellet). Logo, fica bastante claro que no escopo daquilo que se convencionou a chamar de novíssimo cinema brasileiro, mora a questão seminal de todo o “visual luminoso sonoro” (expressão que, para Bespwin, deveria substituir o conceito de “cinema”), embora já se não se possa afirmar que tal sistema de produção tenha logrado êxito para além do vão existente entre o curto-circuito dos festivais de caráter um tanto mais sensíveis em suas propostas e a porta de saída de serviço de todo o pós-industrial, mesmo que o conceito de industrial seja menos um conceito do que um desejo de pertencimento, típico de cinematografias que retiram energias muito mais de uma legitimação de um coletivo do que, pra retomar Pellet, dos movimentos do copo. Ou, por que não, da afecção.
Ainda que não se possa tratar do pictórico-em-transformação, esse pictórico que é um estado-em-presença, mas não uma presença cuja anunciação se dá pelo cênico, tampouco por quaisquer abalos sísmicos do plano – ou, melhor, da tectomânica do plano – é preciso logo debruçar-se sobre aquilo que, de fato, é o centro de interesse do olhar. Não o olhar pregnante, mas o olhar que realiza não apenas a decantação do visto, mas, justamente, uma obliteração do não-visto, do não-sei-enquanto-saber, empregando, deste modo, toda a potencialidade ao fora de quadro, esta instituição muito debatida, muito pensada, muito desejada, porém, pouco vista. Quando tal operação é destituída de toda negação inerente ao ato de estar em plena consciência de toda e qualquer refratação luminosa dos corpos que consistem o estado-em-plano, ou, ainda, o plano em si, como em Peell Of Slowly (1968), de Warmon, chega-se, de fato, ao que parece ser a ambição maior do novíssimo – mesmo que, é preciso dizer, ela não seja exatamente nova, ainda que apresente a ânsia vulcânica do gozo.
Se mesmo os cães são capazes de ver coisas, e eles realmente o são, dado ao simples capricho da persistência canina (a saber: do olhar), é evidente que a cena já não é mais cena, o pictórico não é mais pictórico, o corpo já não é mais corpo: é uma sutura entre a sua luminância, a sua amplitude e, evidentemente, a sua consciência de uma dilaceração da matéria gasosa que circula entre os afetos e coloca a montagem em constante devir, em constante choque entre o que é filmado é que não é filmado, entre o som e a mudez, entre o que o olho-cão captura e o que não captura. Se a luz é a língua que lambe a superfície do plano e, em seus melhores momentos, do ator, causando gozo estético, é menos por que mais com mais é menos do que menos com mais é mais, mais ainda quando o corpo é desnudo diante não da câmera, mas de si mesmo, tal como em Em Precipício, de Cão Rosa. Embora fique evidente que a questão não se encerra aqui, eis um primeiro esboço sobre o “visual luminoso sonoro” do novíssimo.
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