O Grande Hotel Budapeste
O Grande Hotel Budapeste (Grand Budapest Hotel, 2014), de Wes Anderson
Desde o primeiro filme após Três é Demais (1998), seu melhor trabalho, Wes Anderson é dependente do visual. É o tratamento dado às imagens que segura muitas vezes o interesse de seus filmes, uma vez que a construção dos personagens passa a ser negligenciada em favor dos habituais gracejos que adornam seu cinema. A síndrome do desenho animado surge ainda timidamente em Os Excêntricos Tenenbaums (2001) e explode no super colorido A Vida Marinha com Steve Zissou (2004). Longe de ser devidamente expurgada com O Fantástico Sr. Raposo (2009), que é de fato um desenho animado, a síndrome ressurge com força em Moonrise Kingdom (2012), a ponto de eclipsar o romance juvenil que é motor do filme.
Agora, com O Grande Hotel Budapeste, o diretor finalmente encontra um sentido pleno para tamanha obsessão, tal é a conjunção entre trabalho visual e desenvolvimento narrativo. Logicamente, sendo Anderson um exagerado, existem momentos em que o visual está sobrecarregado. Essa sobrecarga plástica, mais a predileção por movimentos de câmera espalhafatosos, fazem com que seus filmes estejam sempre numa corda-bamba, correndo o risco de se espatifarem no chão sem a providencial salvação de uma rede de segurança. Paradoxalmente, essa é sua força, uma vez que difere seu cinema do rame-rame indie que impera no dito cinema autoral americano (e europeu também, de certo modo). A graça muitas vezes vem do risco, ainda que esse risco tenha mais a ver com a recepção de seus filmes por críticos do que pelos cinéfilos atuais, habituados a engolir como novidade estranhezas quaisquer.
Na trama, mais um capítulo da bizarrice andersoniana, um flashback (dentro de outro flashback) explica a aventura de um gerente de hotel acusado injustamente do envenenamento fatal de uma madame cheia de aspirantes a herdeiros. Seu fiel escudeiro é o narrador do segundo flashback (enquanto seu interlocutor é o narrador do primeiro, o que o transforma inevitavelmente no narrador geral do filme): um jovem ajudante apátrida, tomado como afilhado pelo gerente falso culpado. Novas revelações e soluções surgirão, sempre de acordo com o mundo bizarro que move as ideias do diretor. Há, por exemplo, a fuga da prisão, sequência onde se encontra o momento mais desenho animado de todo o filme: a passagem dos fugitivos pelo alojamento dos guardas. Há, também, a participação de um Willem Dafoe completamente caricato como um armário monstruoso que lembra um tripulante do cupê mal assombrado, da Corrida Maluca.
Essa bizarrice se expande também para os diversos formatos de tela que se sucedem. O filme começa em 1.85:1 enquanto estamos nos anos 1980, vai para 2.35:1 no primeiro flashback, no final dos anos 60, e depois para 1.37:1 quando entra nos anos 30. Nesse quesito, Anderson brinca com as necessidades espaciais de cada formato, dando vazão à sua cinefilia e ao entendimento que tem da arquitetura dos planos.
Nunca realmente desagradável de se ver, O Grande Hotel Budapeste, com saturações de todos os tipos, reviravoltas dignas de Hanna Barbera, flertes com o oriente, atores famosos em pontas inusitadas (fora os velhos parceiros de sempre), humor peculiar e brincadeiras narrativas semelhantes às de Tarantino, aponta para um diretor mais seguro de suas manias, e, com isso, um tanto mais afetado. Ainda assim, tem inegável charme.
Sérgio Alpendre
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