Ano VII

O Homem Duplicado

terça-feira jul 1, 2014

O Homem Duplicado (Enemy, 2013), de Denis Villeneuve

Após Suspeitos, seu melhor trabalho, o diretor canadense Denis Villeneuve volta a trabalhar com Jake Gyllenhaal em O Homem Duplicado, adaptação morna de José Saramago com tintas de O Duplo de Dostoiévski.

O ator interpreta um professor de história que, por acaso, descobre um ator, Anthony Claire, igualzinho a ele: a mesma aparência, a mesma voz, a mesma barba, o mesmo olhar de peixe morto que conquista fãs no mundo todo.

Villeneuve investe na atmosfera, normalmente sua força (e muitas vezes a única). Mas exagera desta vez. O excesso de música estranha e imagens oníricas no início parecem querer jogar o espectador forçadamente dentro de um clima de suspense (algo que o título original, "inimigo", reforça).

Mélanie Laurent, a Shoshanna de Bastardos Inglórios, aparece como o fruto mais visível desse carregamento excessivo da atmosfera. Ela aparece o tempo todo, nos primeiros minutos, como se algo estivesse errado, e some da vida do protagonista, ainda no primeiro terço, sem maiores explicações (e ele mesmo parece não se lixar para isso), até que volta para ilustrar a consequência do primeiro encontro entre os duplos, e a citação meio boba de Touro Indomável diante do espelho.

Da mesma forma, Adam Bell, o professor, já parece estranho dando aula. Ele está destacado dos alunos. Parece uma aula à distância, embora ele esteja presente em sala. Quando há a repetição de suas falas em aula, ele parece ainda mais estranho, abalado ou cansado, gaguejando e estremecendo a voz (num padrão que irá se repetir nas ligações telefônicas com o duplo).

Lembro de um texto de Truffaut em que ele diz que Trinta Anos Esta Noite, o filme de Louis Malle, seria melhor se houvesse uma progressão na desilusão do protagonista. Creio que esse problema caiba em O Homem Duplicado, não no filme de Malle. Se houvesse uma progressão mais gradual no estranhamento, poderíamos ter algo mais forte. Como o estranhamento já se dá logo no início, a ponto de pensarmos logo no tal inimigo do título original (seria mesmo o professor, como nos leva a crer sua personalidade de psicopata?), o filme acaba se perdendo quando o estranhamento dá lugar ao conflito, e depois à troca.

A melhor coisa de todo o filme é a canção dos Walker Brothers que o encerra, o que de certo modo diz muito sobre suas insuficiências.

Sérgio Alpendre

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