9º CineOP – Um breve relato
9º CineOP – Um breve relato
Por Sérgio Alpendre
Um dos meus festivais preferidos é o CineOP, que julgo superior ao de Tiradentes pela possibilidade maior de encontrar bons filmes (pudera, a temática é histórica, e o forte são filmes do passado). Fora isso, a cidade é um cenário cinematográfico, que estimula nossos sentidos com o frio gostoso e as montanhas que parecem sempre nos abraçar.
Neste ano, o homenageado foi Luiz Rosemberg Filho, por conta de dois filmes que eram dados como perdidos e foram descobertos na França: O Jardim das Espumas e Imagens. Não vi o primeiro, pois tive de dar aula no dia. Mas o segundo é uma das respostas mais duras, e por isso invisíveis, a uma ditadura. E não sai da cabeça.
Um guerrilheiro do cinema na cidade histórica mineira
Em Ouro Preto, Rosemberg disse que reclamou para Jairo Ferreira, autor do livro Cinema de Invenção, que no capítulo dedicado a ele estavam praticamente as cartas trocadas entre ambos, ao que Jairo respondeu "mas é muito difícil escrever sobre seus filmes, Rô".
E é mesmo. Como não tenho 10% do talento de Jairo Ferreira (não é falsa modéstia, penso que ninguém no Brasil tem atualmente), e como este relato pretende ser breve, arrisco aqui apenas alguns comentários.
Minha primeira sessão no CineOP de 2014 foi Crônica de um Industrial, lançado em 1978. Só tinha visto uma vez, em 2001, e me impressionou, agora, o quanto tem de Rosemberg nele. Digo: o quanto tem de desencantado, de crítico, de explosivo e furioso. É difícil aceitar completamente o cinema de Rô, como é carinhosamente conhecido. Isso seria aderir automaticamente a toda e qualquer manifestação de sua fúria e, penso, trair a própria essência de suas criações.
É mais difícil ainda não se sentir tocado pelo jorro de imagens que brigam entre si, pela surpresa do próximo e inesperado plano, pela vontade de discutir as contradições do mundo, pelo respeito à palavra, e, finalmente, pelo gozo que se manifesta. Um gozo tematizado (corpos nus se entrelaçando ou em rituais de negação à sociedade; gritos de desespero, prazer e dor; pessoas buscando a liberdade irrestrita), presente em quase todos os seus filmes, dos mais narrativos aos de colagem. Crônica de um Industrial é dos mais narrativos, como O Santo e a Vedete, exibido durante o festival. Em Crônica, ainda temos resquícios da resposta à ditadura, aos torturadores. É como o encerramento de um ciclo, de uma ideia de cinema combativo. Não que o seu cinema deixe de ser combativo, mas arrefece a munição contra a ditadura e foca em outras questões: a sociedade e suas contradições, a hipocrisia do catolicismo e o medo do sexo, da liberdade do gozo (ou seja, a ditadura continua a ser combatida, mas agora são suas sementes que servem como alvo). Termina assim um capítulo de sua obra.
Com cenas de torturas muito fortes e os sinais característicos do cinema de Rosemberg (sexo, simbologia, predomínio da palavra), o média Imagens (quase um longa, tem 52 minutos) é todo silencioso, o que só o torna mais poético e melancólico. De 1972, mostra um Rosemberg ainda mais feroz. Filme de juventude, de revoltado (como não sê-lo), um pedaço anterior do capítulo que se encerra com Crônica de um Industrial, sua versão mais depurada, palatável e sofisticada. Tortura, burgueses alienados, máscaras e mordaças. Filme de sangue, de castração, de contato.
E o que dizer dos longas irmãos, A$suntina das Amérikas e O Santo e a Vedete? De 1975 a 1982, respectivamente. Flertam com a chanchada, com o escracho. A$suntina é mais contundente; Santo, mais palatável. Mas o que impressiona é como o contexto do período aparece escarrado, sempre de modo inesperado: a abertura de Geisel, o predomínio da televisão, a morte de Glauber, o presidente Figueiredo (que se prestava mais à zoeira do Juca Chaves do que à oposição sistemática), a esculhambação religiosa, a dublagem fora de sincro, a apresentação do Fantástico, a subversão da propaganda – Esso, Coca-Cola – a avacalhação com o Banco do Brasil, as vítimas da repressão despertando como zumbis, a pornochanchadização do cinema brasileiro, a cacadieguização do cinema novo etc. Rosemberg, crítico implacável de sua época.
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