Ano VII

X-Men

quarta-feira jun 4, 2014

X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (X-Men: Days Of Future Past, 2014), de Bryan Singer

Se o avanço tecnológico no cinema esteve sempre ligado ao surgimento de novas possibilidades estéticas – mais precisamente: novas possibilidades para a criação de mundos distintos: mundos espaciais, dos dinossauros etc. -, é curioso notar o caráter tateante que tais inovações demonstram nos filmes atuais de heróis. Ontologicamente tecnicistas, poderiam ser tratados como grandes e caros laboratórios da técnica, habitados por cientistas da Industrial Light and Magic. No entanto, é apenas de maneira sazonal que o blockbuster robusto assume-se revolucionário neste campo. Para bem ou para mal, quase sempre sob a batuta do “cineasta autoral”: Lucas, Spielberg, Cameron.  Apesar de estar em outro diapasão, Bryan Singer, com X-Men: Dias de um Futuro Esquecido, pode se juntar à lista.

O diretor de Os Suspeitos não é um criador de mundos, como os três citados acima, para quem a tela de cinema é como a tela em branco desejada por Alberti, que deve ser preenchida pela variedade e abundância de elementos. Singer é um aperfeiçoador: valendo-se de uma inovação técnica muito maltratada por cineastas de olho ruim, ou banalizada em programas de tv do tipo “super câmera”, descobriu a verdadeira maneira de se moldar a matéria mágica que é o gibi de super-herói – mágica por ultrapassar as leis da física do homem, por gerar fascínio, por remeter a infância, por vestir fantasia.

Singer emprega perfeito arranjo entre matéria e olhar da câmera, que nasce da seguinte pergunta: como filmar o sobre-humano sem lançar mão de um olhar sobre-humano? Em um filme sobre o tempo, sobre seres que manipulam o tempo que, ó heresia, esculpem o tempo, a câmera precisa ser o olho geneticamente modificado (evoluído?), que vê aquilo que o humano comum é incapaz de enxergar. Não há qualquer tipo de traição da verdade quando se capta seres com poderes especiais com um olhar também especial. A traição, o desarranjo e o subaproveitamento acontecem quando se intenta imprimir ao mundo fantástico um olhar pretensamente realista (Batman de Nolan) ou, simplesmente, inábil (Os Vingadores, Capitão América 2).

O olho sobrehumano brilha com intensidade na sequência do resgate de Magneto. Precisamente, na intervenção de Mercúrio, filmada em super slow motion. É com essa técnica, a mesma que nas mãos dos entusiastas Lars Von Trier e Snyder são como versinhos de amor escritos por estudantes da sexta série, que Singer escreve poesia. Leve e ludicamente didática, a poesia da cena não emana unicamente da beleza que é ver em minúcias os movimentos dos corpos, da música pop solar que ilumina por instantes o tom geral sombrio da narrativa. Vem da serenidade, da possibilidade que nos é dada de contemplar: eis a perfeita antítese do olhar pastoso, da câmera que é como uma mão trêmula e indecisa, que ao invés pintar o visível, o borra, do corte que açoita a duração do plano, transformando-o em ferida grotesca, ao invés de instrumento de harmonia, presentes nos blockbusters atuais. Quantas chances nos são fornecidas de realmente ver o conteúdo do plano, em cenas de ação nos últimos filmes de herói? A poesia inflama, mais ainda, da exposição que a escrita em super slow faz do colocar em cena. Mercúrio, como um escultor que refina os contornos de um seio em mármore, que ajusta a posição de uma mão a repousar sobre a face, organiza os elementos caóticos presentes na pequena sala em que ele e os outros heróis estão encurralados por policiais armados.

A sala, não por acaso inteira branca, é como a tela de cinema e cabe ao diretor/Mercúrio encontrar o arranjo perfeito por meio da manipulação dos gestos dos corpos, no posicionamento das armas e das balas. Tudo isso com o olhar calmo e atencioso de Evan Peters, análogo ao que Singer derrama sobre as outras cenas de confronto durante o filme. A que abre X-Men: Dias de um Futuro Esquecido é completamente distinta do lento entalhar no tempo, perpetuada por Mercúrio. Trata-se de uma sequência em que a mise-en-scène também adquire poderes especiais, graças à heroína Blink, que consegue abrir fendas que bagunçam a continuidade espacial. Escura, e povoada não por policiais de pele elástica, mas sentinelas compostas por metal nefasto, que não se comporta como metal, a sequência é brutal ao mostrar diversos mutantes sendo executados. Mostrar é a palavra chave: não há entulhos e fogos de artifício no plano, há o peso da violência transferida diretamente para o corpo do herói, que nem sempre consegue sustenta-la, como comprova a cabeça que se separa do pescoço de um dos mutantes do bem e rola pelo chão. A morte é uma evidência. Como acreditar que heróis podem salvar vidas se não há a presença da morte? É a serenidade de Singer que faz da morte a evidência em alto-relevo na tela.

Se não é possível imaginar que fora do círculo dos autores da velha guarda surja algum avanço estético impulsionado pela técnica, em Hollywood, é um alento que ainda haja diretores capazes de utilizar a tecnologia de ponta como resposta sensível ao material que escolhem filmar. Se é para registrar homens com super poderes, que a mise-en-scène tenha ela, igualmente, super poderes.

Wellington Sari

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