Uma pausa para o que importa
Dia III – Uma pausa para o que importa (E Agora? Lembra-me?)
Por Heitor Augusto
Não é a primeira vez, evidentemente, mas toda vez que acontece pega-se de surpresa: no meio de um festival de cinema, depara-se com um filme que pede/convida/demanda que nos atenhamos a ele, exclusivamente a ele. Surge, então, a agonia: é quase impossível estar fiel à reflexão de apenas um filme quando sessões se acumulam diariamente.
Tento, pois, fazer brevíssimos apontamentos sobre um filme que é, em si, um apanhado de apontamentos: E Agora? Lembra-me?. A força máxima desse monumento feito pelo português Joaquim Pinto está tanto na fluidez da experiência de assisti-lo (que é extremamente prazerosa, ainda que “prazer” não necessariamente se misture com “conforto”) quanto no evidente lastro de permanência ao fim da sessão.
Alguns dos muitos filmes dentro de E Agora? Lembra-me?. No primeiro pacote, a vida: um filme sobre cultivar a vida como tática para para correr da morte; estar consciente da morte para, justamente, voltar-se à vida; pensar sobre a vida primeira (das coisas, na natureza, do cosmos) para entender (ou resignar-se) ao tamanho diminuto da vida humana. No segundo, o amor: pelo homem que oculpa tanto o lugar da pulsão de força quanto do cuidador; pelos amigos que passaram ou que permanecer; por aqueles que aparecem quando não são esperados. No terceiro, o fim: redescobrir e ressignificar as memórias (as viagens, os filmes feitos e assistidos); escrever uma carta de despedida e de gratidão a quem o cerca.
Qualquer tentativa de ilustrar, na correria, o que se passa com esse filme vai soar como frase barata de marqueteiro em pôster de filme. Por exemplo, “um filme sobre a vida” (que bem poderia estar numa adaptação qualquer de Nicholas Sparks) ou “filme-testamento” (que mais parece indicar uma bobagem qualquer de Claude Lelouch). Arrisco uma definição: um filme sobre a tristeza de não mais ter (a vida) e também sobre o privilégio de algum dia tê-la vivido (releio essa frase e sinto que o fantasma de Sparks ronda a minha escrita).
Outros filmes seguirão após E Agora? Lembra-me?, alguns dos quais tenho muitas expectativas e sobre os quais escreverei (A Vizinhança do Tigre e Branco Sai, Preto Fica são alguns deles). Mas fez-se necessário dar esta pausa, dizer que aconteceu um filme chamado E Agora? Lembra-me? aqui no Olhar de Cinema. Num cenário ideal, pararíamos por umas duas semanas, suspenderíamos o festival para nos dedicarmos apenas a esse filme e voltaríamos daqui uns dias, já com as ideias minimamente organizadas.
© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br