Anos Felizes
Anos Felizes (Anni Felici, 2013), de Daniele Luchetti
Em uma cena de Anos Felizes, o artista plástico Kim Rossi Stuart fica sabendo de uma crítica raivosa sobre sua obra, escrita por um dos críticos mais influentes da Itália (ao menos foi assim que pareceu). Ao encontrar o crítico logo em seguida no mesmo restaurante, vai tomar satisfação. O crítico, impávido, não se entrega, e vai logo desfiando a sua dura verdade para o artista incrédulo, acostumado, talvez, ao velho jogo do morde a assopra que costuma rodear o âmbito crítico. O artista, então ofendido pelo que não pode perceber porque seu narcisismo não deixa, desfere um forte soco no rosto do crítico, que sabe, assim, ter vencido a guerra dos argumentos.
Mais tarde, num encontro com o mesmo crítico, após uma outra exposição, o crítico diz que a arte precisa de comprometimento e verdade (algo mais ou menos assim), e que desta vez gostou do artista. Claro que ele podia estar intimidado pelo soco que havia levado na outra ocasião, mas Luchetti faz questão de mostrar a cena de modo amistoso, nada ameaçador, para deixar claro que o crítico estava falando a verdade, ou ao menos a sua verdade, sobre o que havia sentido com a obra do artista, sem a pressão de ser político para agradar o artista, e sem esquecer que o artista é uma pessoa, e que isso deve ser considerado também pelo artista no momento em que faz a obra (e assim evitar que tantas obras se pareçam com criações de computadores). Ao contrário de Nanni Moretti, que em Caro Diário tira um sarro da crítica por meio de um representante que havia elogiado o filme de John McNaughton (belo, por sinal), Retrato de um Assassino, fazendo com ele uma espécie de tortura.
Claro que Moretti é infinitamente melhor que Luchetti, e Caro Diário é superior a Anos Felizes. Mas é interessante observar como neste último a discussão sobre a crítica e sua relação de extrema proximidade com a arte é mais pertinente. Introduz a um público mais amplo (ainda que limitado a um circuito de gueto) a importância da crítica para a arte, algo subvalorizado hoje, quando se procura impedir o pensamento a qualquer custo.
Além disso, é bom deixar claro que não estou fazendo a defesa de qualquer crítica, nem mesmo da crítica em relação à arte. A defesa aqui é da frontalidade, das coisas ditas na cara, de ambos os lados, sem medo de ofender vaidades.
O filme de Luchetti trabalha, assim, com uma série de questões pertinentes: o que está em jogo na arte? Qual é sua relação com a crítica? Para que serve a crítica? E a arte? Parecem perguntas boçais, mas enquanto muita gente ainda acredita na falácia de que cinema é apenas entretenimento, fazem sentido.
Histórias contadas sob o ponto de vista de crianças são comuns no cinema. Anos Felizes é a história de um relacionamento em crise narrada pelo filho mais velho do casal. Lembra, no tom e em determinados momentos, clássicos como Cria Cuervos, de Carlos Saura, ou A Noite de São Lourenço, de Paolo e Vittorio Taviani. Nesta longa crise do cinema italiano, quando são poucos os diretores que conseguem algo realmente significativo (Nanni Moretti, Marco Bellocchio, Michelangelo Frammartino e quem mais? Não me venham com Paolo Sorrentino ou Matteo Garrone, por favor) é salutar voltar a essas histórias de uma maneira digna. Que bom que o irregular Daniele Lucheti conseguiu.
Sérgio Alpendre
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