Ano VII

Gata Velha Ainda Mia

sexta-feira mai 23, 2014

Gata Velha Ainda Mia (2013), de Rafael Primot
 
O chamado "hag horror film", ou filme de bruxa (termo aqui entendido como adjetivo, e não substantivo), foi moda em Hollywood nos anos 1960, quando divas do período clássico já envelhecidas, como Bette Davis, Joan Crawford e Olivia de Havilland estrelaram filmes como O Que Terá Acontecido a Baby Jane (Robert Aldrich, 1962) e A Dama Enjaulada (Walter Grauman, 1966).
 
Nessas produções, as atrizes encontravam trabalhos remotamente inspirados em dramas dos 1950 que tinham por referência filmes como Crepúsculo dos Deuses (Billy Wilder, 1950), no qual a estrela decadente Gloria Swanson, do alto de seus 51 anos, brilhava no papel da louca inesquecível Norma Desmond. 
 
Em 2009, Peter Shelley, no livro "Grande Dame Guignol", compilou dezenas desses títulos realizados desde os anos 1960, começando por Baby Jane e chegando até filmes como Louca Obsessão (Rob Reiner, 1990) e Mamãe é de Morte (John Waters, 1996). Por meio dessas obras, o autor propôs uma reflexão sobre o horror feminino no cinema, desde as vamps dos anos 1920 até as mulheres frustradas e velhas que dispensam suas últimas energias ao objetivo nada nobre de atormentar alguém – de preferência, outra mulher.
 
As questões referentes à clasisficação de gênero cinematográfico são obviamente problemáticas no caso do hag horror, mas ainda assim interesantes, e isso fica claro no longa de estreia de Rafael Primot, "Gata velha ainda mia" (2013), estrelado pela diva nacional Regina Duarte, hoje com 67 anos. Nessa produção pequena apoiada pelo Canal Brasil (custou cerca de 150 mil reais), o horror se anuncia, mas não é levado às últimas consequências. 
 
Primot repete em seu primeiro longa uma característica de seus curtas Manual para Atropelar Cachorros (2005) e Doce Amargo (2009), nos quais o falatório ininterrupto parece obscurecer a representação de sentimentos difíceis de verbalizar, como a pulsão assassina e o medo da morte. No entanto, agora, talvez por ter mais tempo para construir as personagens, o excesso de falas prejudica menos o conjunto.
 
Em Gata Velha Ainda Mia, a escritora feminista brasileira Gloria Polk (Regina Duarte), que está prestes a lançar um novo livro após 17 anos de silêncio, recebe em seu apartamento a jovem jornalista Carol (Bárbara Paz) em busca de uma promoção na revista feminina em que trabalha. Ao longo da conversa, enquanto obtemos mais detalhes sobre a vida da entrevistada – entre eles o fato dela pagar suas contas trabalhando como cozinheira de banquetes de luxo – ficamos sabendo de alguns segredos que as duas mulheres compartilham. Então, após um jantar regado a muito vinho e a algumas maledicências, as coisas se complicam.
 
A partir desse ponto, somos tragados por um labirinto narrativo que pode ser tanto emanação dos desejos da protagonista  quanto da indecisão do diretor. E, assim, os altos e baixos se sucedem, numa experiência por vezes decepcionante.
 
Não há dúvida de que a persnagem de Regina Duarte - louca, frustrada, mas também capaz de boas tiradas que ecoam a própria má consciência da atriz em relação à esquerda brasileira - merecia um filme melhor. Sua oponente/vítima Bárbara Paz faz o melhor que pode, mas o brilho aqui é da velha bruxa. 
 
Cabe, nesse sentido, destacar a dedicação de Regina Duarte à personagem, o que mostra uma atriz ainda capaz de se reinventar. 
 
De fato, em sua longa carreira televisiva, os temas do horror já haviam se apresentado aqui e ali, como no famoso Caso Especial "Dibuk: O Demônio" (1972), escrito por Domingos de Oliveira e dirigido por Daniel Filho, no qual ela era possída pelo Demônio, ou no episódio "Era uma vez… Leila" (1992), da série Retrato de Mulher, no qual uma dona de casa de classe alta acaba por se revelar uma assassina fria. Em trabalhos como esses, a atriz já se mostrara capaz de meter medo na plateia para além da campanha tucana, o que agora se adensa neste pequeno filme, que marca, ao menos, uma experiência original dentro da dispersa tradição do horror brasileiro no cinema.
 
Laura Canepa

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