Ano VII

Cães Errantes

quarta-feira mai 21, 2014

Cães Errantes (Jiao You, 2013), de Tsai Ming-liang

“Até quando durará o sofrimento dos assuntos do império?” canta o sem-teto Hsiao-kang, enquanto segura uma placa que anuncia a venda de um imóvel, em meio a um congestionado cruzamento no seio da cidade de Taipei. A suposta mãe conta para os filhos a história de um grupo de sapos que escolheu um pássaro como seu rei. O pássaro foi lá e comeu os sapos.

Em Cães Errantes Tsai Ming-liang parece afirmar que não há quase mais como representar o estrago que o capitalismo desenfreado provocou nos homens e no espaço que eles habitam. Os planos mais longos que o comum, o registro repetido das ações físicas cotidianas da família de sem-tetos – até a explosão quase tragicômica, consequência natural dessa precária existência, como na impressionando cena do repolho – parecem reclamar por uma gravidade só presente até então em Adeus Dragon Inn.

O fim e a morte retornam de forma inescrutável em Cães Errantes. A forma cinematográfica parece a priori não dar conta de representar o sofrimento causado pelo império, nessas pessoas engolidas pela própria sociedade. O casal que deixa a sala de cinema – ou no caso, o salão abandonado com a pintura ao fundo – após um longo plano fixo de quase dez minutos, do qual poucas certezas permanecem, parece, contudo, enunciar que ainda há algum sentido, ainda que de resistência, em encenar e representar tal condição.

Guilherme Savioli

© 2016 Revista Interlúdio - Todos os direitos reservados - contato@revistainterludio.com.br