Godzilla
Godzilla (2014), de Gareth Edwards
É bastante evidente a diferença entre os filmes de herói da Marvel/Disney e os da Warner. Os do primeiro grupo são coloridos, escapistas, repletos de piadas internas (o eterno cameo de Stan Lee). Os do segundo são acinzentados, pretensamente realistas, solenes (o Jesus Cristo Superman de Zack Snyder). Um é a casa das ideias, o outro, a casa dos autores – ou, dos que se vendem como autores.
Gareth Edwards não é exatamente um autor e Godzilla não é exatamente um herói. Mas o preambulo generalizador serve para contextualizar a escolha da Warner por desenvolver o projeto do monstro japonês. Com o sucesso de Os Vingadores e Capitão América 2 e a consagração do filme-de-demolição, este parece ser o momento ideal para trazer novamente às telas um dos pioneiros da destruição de construções. A resposta à Marvel/Disney segue exatamente a tendência histórica estabelecida pelo estúdio de Batman.
Tais tendências são levadas ao exagero involuntariamente cômico no campo da direção de atores, cuja síntese está nas permanentes sobrancelhas franzidas e no olhar de estupefata reflexão de Ken Watanabe, cientista responsável por monitorar Godzilla. O personagem, mais do que a preocupação pelo que o monstro e seus rivais podem causar, traz em si, supostamente, toda a dor de Hiroshima. No entanto, não é nada além de uma peça de equilíbrio à apologia da bomba atômica feita pelo filme e pelos oficiais norte-americanos, que tira do aparato o caráter puramente bélico e lhe dá papel de salvador (as bombas testadas em 1954 não serviram de testes e sim para matar monstros, para salvar o mundo). Se antes Godzilla, assim como o ciclo de filmes de anomalias atômicas hollywoodianos dos anos 50, era uma fábula sobre o medo da radiação, as criaturas de Edwards representam apenas forças da natureza que, assim como o homem, também se interessam pela radiação. O ser humano só tem a ganhar quando deixa que a própria natureza restaure o equilíbrio, permitindo que o predador natural acabe com a praga. Nem o filme de monstro consegue mais escapar do discurso eco-bacana.
Ao apagar o peso histórico da bomba atômica, o longa de Edwards teve de pesar a expressão permanente de Watanabe (solenidade e importância: qual seriam outros motivos para a escalação de Juliette Binoche, senão esses?). Se na direção de atores e na moralidade estas escolhas se mostram pouco ricas, na direção de CGI Godzilla apresenta pontos de interesse. Há uma bestialidade apocalíptica nas criaturas, uma feiura nas formas cujas proporções são bem utilizadas dentro do plano. O oposto do quebra-quebra colorido e gasoso dos filmes Marvel, em que a câmera está quase sempre no ar, nos momentos de confronto entre heróis e vilões. Existe algo de, vá lá, orgânico nas sequências titânicas de ação. Talvez por lembrarem dinossauros, criaturas que fascinam e fascinaram inúmeras crianças – o filme parece sugerir, sutilmente, que devemos ver as cenas de ação com olhos de criança; há três delas na narrativa, sempre silenciosas e sempre exercendo o ato de olhar-com-curiosidade, pontuando momentos que antecedem grandes explosões. O Gigantismo grotesco de Godzilla e Muto consegue dar à imagem alguma profundida primitiva que, novamente, é reforçada pelo bom uso das escalas e proporções. Os índices do despertar da besta, mostrados logo após os créditos inicias – a cratera, o ninho rompido e vazio, o rastro em direção ao mar – criam expectativa, algo incomum nos blockbusters atuais, impulsionados não pelo jogo de tensões e alívios, mas por um motor que funciona o tempo todo à pleno vapor.
Godzilla, quando precisa lidar com humanos, não escapa da pieguice heroica. Está lá, ao fim do filme, o abraço em plano/contraplano. Mas, ao menos, a câmera não deixa de mostrar a face queimada do rapaz, logo antes do beijo da mocinha.
Wellington Sari
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