Ano VII

Capitão América 2 (Texto 2)

domingo abr 27, 2014

Capitão América 2: O Soldado Invernal (Captain America: The Winter Soldier, 2014), de Anthony e Joe Russo

Chegamos ao nono exemplar da franquia de cinema baseada nos quadrinhos da Marvel Comics, com produção da subsidiária Marvel Studios. Essa aproximação entre editora e estúdio de cinema permitiu a criação de uma série de aventuras interligadas que se complementam e ampliam. Diferente de outras cine-séries famosas (como os thrillers de espionagem na Europa, ou os espadachins e monstros gigantes no Japão), a série dos estúdios da Marvel traz um número maior de personagens, podendo isolá-los ou reuni-los a cada nova produção, usando assim da mesma lógica das principais editoras de quadrinhos.

As aventuras seriais sempre estiveram presentes no cinema. Nos anos 1910, tomemos como exemplos The Perils of Pauline; Homunculus e as obras de Louis Feuillade (Les Vampires, Judex e Fantomas). Dos anos 1920 até os anos 50, estúdios de Hollywood lançaram centenas de programas, desde westerns até histórias de ficção científica, passando pelos heróis fantasiados (Batman, Besouro Verde, Capitão América, etc.). No Japão a partir da metade dos anos 1950, os filmes kaiju eiga da Toho logo reuniram seus principais monstros em uma mesma película. O auge aconteceu com O Despertar dos Monstros (Ishiro Honda, 1968) que contava com Godzilla, Mothra, King Ghidorah e outras criaturas ameaçadoras no elenco – uma espécie precursor de Os Vingadores (Joss Whedon).

Nesta mesma época, destacam-se também os filmes de luchadores mexicanos (Santo, Blue Demon), o ciclo Mabuse após o sucesso de Os Mil Olhos do Dr. Mabuse (Fritz Lang, 1960), os pepla italianos com Hércules, Maciste e Ursus. Além dos monstros gigantes, o Japão contribuiu ainda com os filmes de espadachins. Sendo a série do massagista cego Zatoichi a mais famosa e duradoura, com 25 episódios feitos entre 1962 e 1973. Nesse tempo, o herói pode se encontrar até com o espadachim-de-apenas-um-braço, personagem eternizado por Jimmy Wang Yu no cinema de Hong Kong.

Como detentor dos direitos de inúmeros personagens, o Marvel Studios percebeu o potencial comercial desse seu novo projeto de serialização cinematográfica, que busca na memória afetiva do público algo até então inédito: bons filmes com diversos heróis do imaginário infantil juntos. Falando em termos nostálgicos, ter os Vingadores reunidos equivaleria a uma imaginária aventura com Hércules, Robin Hood, Zorro e o Príncipe Valente.

Ainda longe de perder o fôlego, a moda dos super-heróis coloridos da Marvel levanta a suspeita e o desprezo de alguns críticos. Enquanto isso, as bilheterias continuam favoráveis, ou pelo menos garantem a continuidade dessa moderna mitologia no cinema.

Comparados aos filmes dos estúdios concorrentes no segmento de adaptações de heróis de HQ (Sony, Fox e Warner), os longas da Marvel Studios apresentam até agora um conjunto mais harmonioso e bem planejado, tanto na apresentação dos personagens quanto na feitura dos filmes, que – com exceções – costumam se colocar acima da média sofrível dos blockbusters de Hollywood.

A posição acertada de não considerar o filme de super-herói como um gênero em si também tem permitido variar o tipo de espetáculo. Isso pode ser percebido a partir de Homem de Ferro 3 (Shane Black, 2013), cuja trama mistura uma aventura de James Bond – ao estilo de Roger Moore – com a lógica de um policial oitentista como Máquina Mortífera (Richard Donner, 1987) – que não à toa, foi escrito por Shane Black.

O filme seguinte, Thor: O Mundo Sombrio (Alan Taylor, 2013), assinado por um diretor vindo do seriado Game of Thrones, se mostrou uma boa aventura de fantasia, que em seus melhores momentos chegava a lembrar Krull (Peter Yates, 1983).

O lançamento mais recente da Marvel Studios, Capitão América 2: O Soldado Invernal, investe em uma moderna e acelerada trama de espionagem, de acordo com a frenética série de Jason Bourne. Essa nova aventura do mais emblemático dos super-heróis estadunidenses traz dois diretores (os irmãos Anthony Russo e Joe Russo) cujos currículos são compatíveis com um projeto de serialização.

Anteriormente, para Capitão América – O Primeiro Vingador (2011) foi convocado Joe Johnston, que no passado havia feito um filme de ação escapista (ambientado no período pré-2ª Guerra) e baseado em quadrinhos (Rocketeer, 1991). Já os irmãos Russo tinham como especialidade comédias, com destaque no cinema para Tudo Por Um Segredo (2002), um razoável remake de Os Eternos Desconhecidos (Mario Monicelli, 1958). Para a TV, a dupla dirigiu diversos episódios de seriados humorísticos (Arrested Development, Happy Endings, Community) ao longo de vários anos. Se existe alguma lógica na indicação dos Russo para O Soldado Invernal, ela talvez se justifique na experiência deles na televisão (o mesmo caso de Alan Taylor).

O principal responsável pelo planejamento dos filmes do Marvel Studios, Joss Whedon (diretor de Os Vingadores e supervisor da série televisiva Marvel’s Agents of Shield, que se relaciona diretamente com o universo diegético dos filmes), também veio da telinha – tendo ficado famoso pelos seriados Buffy, Angel e Firefly. Diretores com um histórico de trabalhar na TV começam a ser o que os executivos procuram.

Cineastas mais descolados e ligados aos gêneros de terror e de ficção, como James Gunn (Guardiões da Galáxia, 2014) e Edgar Wright (Homem-Formiga, 2015) também podem ser uma constante nos próximos anos. A lógica do estúdio parece ser essa: cineastas jovens e dinâmicos que saibam trabalhar num esquema de produção em série e que possam contribuir com um ou outro toque pessoal.

Para além de confirmar a tendência das escolhas dos estúdios da Marvel para suas próximas produções, o que se destaca em Capitão América 2: O Soldado Invernal é como o filme se mostra superior a quase tudo o que Hollywood produziu de espetáculos explosivos e barulhentos nas últimas décadas. Como objeto isolado, consegue ser uma aventura coesa e divertida. Como parte de uma grande história, dá uma nova dinâmica para os próximos filmes do Marvel Studios.

A edição rápida das imagens funciona a contento, pois existe aqui um mínimo de compreensão de uma composição de quadro. Ao invés de cometer o mesmo erro de muitos diretores, ao tentar emular um específico momento/quadro de um gibi (o que acaba resultado nas bocejantes tomadas em câmera lenta que Zack Snyder tanto adora), a dupla preferiu usar a montagem para dar a impressão de alguém lendo rapidamente as páginas de uma HQ.

No meio de tiros e batalhas, ainda resta espaço para um discurso atual a respeito de vigilância e perda de liberdade individual. Isso, vindo de um herói criado para ser uma peça de propaganda nacional durante a 2ª Guerra Mundial, é um achado. O discurso existente aqui acaba tendo mais efeito do que todos os sermões de um Paul Greengrass, e o que é melhor, sem abdicar do espetáculo e sem se levar a sério demais.

Com altos e baixos, e sendo O Soldado Invernal o ponto alto até aqui, os filmes do Marvel Studios estão entre o que de mais interessante Hollywood produz de aventuras exageradas hoje. O excesso pode desviar a atenção dos críticos para eventuais qualidades. No fundo, é apenas mais um item do cardápio da grande máquina de fazer hambúrguer que a terra do cinema se transformou. É gorduroso, tem muita caloria, mas também é gostoso.

Leandro Cesar Caraça

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Texto de Wellington Sari

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