HOJE EU QUERO voltar…
Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014), de Daniel Ribeiro
Desde que os curtas Café com Leite e Eu não Quero Voltar Sozinho passaram a circular, recorremos a um punhado de adjetivos – por vezes correlatos – para definir o cinema almejado e realizado por Daniel Ribeiro (apoiado na produção de Diana Almeida e na fotografia de Pierre de Kerchove). Aos adjetivos: “tocante”, “singelo”, “sutil”, “carismático”, “refinado”, além daqueles dois que melhor definem a natureza de seus filmes, “sensível” e “delicado”.
Poderíamos, sem riscos de comprometer a acuidade, retomar tais adjetivos ao falarmos de Hoje eu Quero Voltar Sozinho, o longa, um prolongamento do curta que foi hit nos festivais em 2010 e no YouTube a partir do ano seguinte. Mas compor um rosário de adjetivos é um atalho que atrofia uma reflexão mais interessada pelos caminhos que o filme toma para chegar a esse tal lugar “sensível” e “delicado”.
Aposta-se abertamente na empatia, em que identifiquemos no universo do filme para quem devemos torcer, de quem devemos dar risada e a quem devemos nos opor. Isso soa maquiavélico, manipulativo até (uma mente pensante que controla e prevê as nossas reações), mas tal direcionamento ocorre de maneira muito mais amantegada do que esse parágrafo faz parecer. Somos levados, quase que naturalmente, a nos afeiçoarmos pelos personagens.
Ainda que eu prefira um cinema mais afeito a indefinições, que vá além do classificável (a ver: Claire Denis), essa aproximação filme-espectador é um mérito enorme para uma produção que aspira ser vista em maior escala (retomo esse tópico mais à frente). Ainda mais porque Hoje Eu Quero Voltar Sozinho ultrapassa as possíveis barreiras de identificação – a saber, a sexualidade, já que falamos do amor de dois meninos, mas especialmente o recorte de classe, já que aquele colégio está não só no centro econômico do país (São Paulo), mas numa bolha de classe média alta. Admiro que o filme rompa possíveis resistências para chegar a quem o vê.
Nessa equação de variáveis misteriosas chamada criação de empatia, o filme passa por todos os pontos de parada obrigatória. Mais: anda por terrenos explorados à exaustão até do clichê. Exemplos? Cena do banho, sentir o cheiro da roupa do outro, andar de bicicleta como signo de liberdade, contrapor o pai compreensivo com a mãe superprotetora e, acima de tudo, tocar Belle and Sebastian (um filme como Juno, que é um grande nada, usou a banda escocesa e deu no que deu). Hoje Eu Quero Voltar Sozinho não só anda por onde já se andou, mas faz escolhas que poderiam dar muito errado.
Corria-se o risco de transformar o filme numa experiência de simulacro, que soterrasse qualquer dimensão política ou de conflito real com o mundo. Porém, no momento em que Leo aperta a mão de Gabriel, um gesto feito dentro de uma estrutura que ingenuamente insiste dividir o gênero entre ou os que estão com Esparta ou os que estão com Atena, fica claro que o filme não perdeu o componente político de vista.
Citei no começo do texto a aspiração que o filme tem em ser visto por uma quantidade maior de pessoas que a tradicional faixa dos 15, 20 mil de público à qual o cinema brasileiro que não seja a comédia anda ocupando. Nesse contexto, em que se torna bastante difícil enxergar em muitos dos longas o mínimo de sofisticação fílmica (vide Minha Mãe é uma Peça), a existência de um filme com a energia de disputar esse espaço, sem que tal disposição implique mimetizar Crô, contribuindo ainda para jogar alguma luz num tema delicado (descoberta da sexualidade na adolescência), é algo positivo.
Heitor Augusto
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