Caçadores de Obras-Primas
Caçadores de Obras-Primas (The Monuments Men, 2013), de George Clooney
A disputa pela estatueta de melhor filme no Oscar do ano passado trazia três filmes como fortes concorrentes: Argo (Ben Affleck, 2012), Lincoln (de Steven Spielberg, 2012) e A Hora Mais Escura (Kathryn Bigelow, 2012). Todos eles discorriam sobre temas políticos. O forte conservadorismo, tanto político quanto de mise-en-scène, foi premiado ao anunciarem Argo como o grande vencedor. A presença de George Clooney no palco, para receber o prêmio na categoria de produtor, apenas serviu para deixar a situação mais triste. Afinal, o astro se posicionava dentro de Hollywood como um sujeito de consciência política progressista, com pelo menos por dois filmes interessantes em sua carreira como diretor (Boa Noite e Boa Sorte, 2005; e Tudo Pelo Poder, 2011).
Spielberg e Bigelow, ao menos, optaram por caminhos mais ousados que Ben Affleck, um diretor tão burocrático quanto ator limitado. A sua revisão da Revolução dos Aiatolás no Irã (vista em Argo) serviu apenas como pano de fundo para mais uma prova da competência do serviço secreto dos EUA e da própria Hollywood. Esse uso pobre da história como ferramenta se repete em Caçadores de Obras-Primas, quinto longa assinado por Clooney. Com a nobre desculpa de mostrar as forças aliadas na 2ª Guerra Mundial tentando evitar a destruição de obras de arte pelos nazistas, o filme seguirá a cartilha das aventura de guerra ao estilo men in a mission, como Os Canhões de Navarone (J. Lee Thompson, 1961) e Os Guerreiros Pilantras (Brian G, Hutton, 1970).
Caberá a George Clooney e os seus monument men do título original preservar a memória de toda uma civilização. Por isso, entenda-se a civilização europeia, representada pelas esculturas e pinturas roubadas de museus, além de todos os pertences confiscados de famílias judias durante a perseguição do regime nazista. Esse grupo seleto, formado por homens mais entendidos em arte do que em combate, estará disposto a dar suas vidas para salvar peças de inestimável valor, as quais eles acreditam representar o ápice desta chamada cultura ocidental. As boas intenções de Clooney derrapam tanto no péssimo trabalho de direção que ele aqui apresenta, quanto na mensagem altruísta que transmite. O resultado é um filme que nasce e respira como velho. Muito diferente do que conseguiram John Frankenheimer e Burt Lancaster no excelente O Trem (1963), que tratava do mesmo assunto.
Contando com nomes como Bill Murray, John Goodman e Jean Dujardin no elenco, Caçadores de Obras-Primas esbarra na costumeira dificuldade de Hollywood de fazer uma autocrítica. A trupe de guardiões da história do homem civilizado será bem sucedida ao final, mesmo com a perda de alguns membros. Mas tudo bem, eles não são filhos do Tio Sam, pertenciam às nações que sozinhas nunca iriam derrotar os alemães. Após a fuga dos nazistas e a chegada do rolo compressor soviético, a missão agora será evitar que o seguidores de Stálin se apropriem do espólio artístico de guerra. É aqui, perto do final, que o filme de Clooney atinge seu ponto mais baixo, reduzindo tudo a mais uma futrica de EUA vs. URSS. Os vermelhos estão chegando, que o céu não deixe que tomem nossa história para si.
Não podemos mais ser inocentes, e Clooney sabe disso. Mas finge que não é com ele. Num momento em que museus e sítios arqueológicos são destruídos por ações do exército estadunidense no Oriente Médio e no Afeganistão, eis que o engajado galã e astro nos oferece uma extraordinária fábula, baseada em fatos reais, sobre pessoas determinadas e engajadas em salvar a história de seus pares. Pena não termos nenhum militar bem intencionado como George Clooney no Iraque para salvar o que se perdeu para sempre. O filme dele, construído sobre as ruínas preservadas de uma visão ingênua da história, vai permanecer ali soterrado, indistinguível de uma peça de propaganda feita nos anos 1940 ou 50. Os arqueólogos e os historiadores do futuro ficarão tão desapontados quanto nós, quando forem desenterrar essa peça sem valor.
Leandro Cesar Caraça
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